quinta-feira, 28 de julho de 2011

O anti-sobrenaturalismo. Uma elegia ao mestre Carl Sagan*

Não existem causas “sobrenaturais” em relação ao que acontece no mundo natural. Talvez causas “supranaturais”, “macronaturais”, “micronaturais”, ou até “extranaturais” desconhecidas, mas que nada tenha a ver com os sistemas de respostas sobrenaturais “à priori” que impregnam nosso supersticioso mundo. Infelizmente, para alguns crentes e adeptos do ocultismo, espiritismo, misticismo, deísmo e afins (deve-se reconhecer que o “deísmo”, como sistema de pensamento, não implica necessariamente na crença de um Deus que “interfere” no cone cósmico[¹] ou na vida de sua fauna, da qual fazemos parte), há um importante setor da humanidade que acredita (com base na ciência e não na teologia ou em sua versão secular, a ideologia) que todas as causas e motores da matéria, energia, luz, espaço-tempo e movimento que ocorrem dentro do “cone cósmico de luz/matéria/energia/espaço-
tempo, vida e vida "ciente", são causas “infranaturais”, ou “intranaturais”, se assim preferirem, imanentes aos próprios elementos que compõe o “cone”. O que não é provável é que forças supostamente existentes “fora” deste cone possam “interferir” nos acontecimentos de “dentro” do cone, e aqui se incluem os fenômenos físio/biológicos que afetam os seres vivos, inclusive a saúde, o bem-estar, a sorte ou a morte destes. Teologicamente ou ideologicamente, no entanto, pode-se crer no que se quer.
Viver-se “alienado” nesta condição essencial dentro do cone, a condição "vida senciente", pode ser confortável ou mesmo cômodo, já que cessam os questionamentos fundamentais, uma vez que tanto a teologia quanto a ideologia tem suas próprias respostas “à priori”, fáceis e rápidas, sobre estas investigações, com suas causas, origens, destinos, e às vezes, seus “culpados” (o Diabo, o Mal) e suas vítimas (o Homem, “anjo” decaído”) explicados no âmbito teológico de quase todas as religiões; ou, no caso das ideologias seculares, o “capitalismo”, o “capital”, o “capitalista”, o "neo-liberalismo", o “mercado”, sendo suas vítimas o "proletariado", o "trabalhador", o "operário", as identidades culturais e étnicas, o meio-ambiente, as minorias ou maiorias oprimidas pelas forças de um estado dominado pelos detentores do poder econômico e político. Mas outras ideologias existem com suas explicações “à priori” tão sem sentido ou verniz de verdade quando os sistemas de pensamento acima citados. Nestas outras, o culpado por tudo o que “não presta” pode ser a “indisciplina”, a "pusilanimidade" ou a "falta de comando efetivo", por exemplo, como acusa o militarismo, que não se apercebe de sua própria tendência à lavagens cerebrais; ou a relativização dos antigos referentes ético-morais promovida pelos pós-modernistas, observados com ansiedade pelos tradicionalistas, conservadores e liberais, que por sua vez não se apercebem da incongruência de se aterem à saudosismos e nostalgias que nada contém em termos de respostas “eficazes” ao período presente, por serem produtos ideológicos inerentes a períodos completamente diferentes do desenrolar histórico da humanidade.
Se nem a teologia e nem as ideologias seculares possuem respostas adequadas e livres de julgamento subjetivo sobre questões tão mínimas como a variação regional dos costumes, os preconceitos, as crenças e comportamentos humanos, o fanatismo e o fundamentalismo, o que pode-se esperar delas quando o questionamento diz respeito aos fundamentos da existência material dentro de um Cosmos incomensuravelmente grande e complexo? Nada! Nada de concreto, conclusivo e seguro! Nem a filosofia lógica, com suas especulações de alto nível de precisão e contraprovas, nos garante algo com relação a um fenômeno tão imenso quanto o Cosmos...
Restaria uma saída? A Ciência talvez. Mas existe ciência livre da contaminação do dogmatismo ideológico? Ou estariam “todos” os cientistas, pelo simples fato de o serem, “vacinados” contra as determinações “à priori” da religiosidade? Todos os cientistas são ateus ou sabem separar criticamente suas crenças “à priori” da condução de suas pesquisas, cujos resultados muitas vezes contrariam sua fé? O ateísmo "em sí" não conteria suas próprias respostas "à priori", descartando precocemente possibilidades e respostas alternativas interessantes? Podem os cientistas, sem prejuízo da integridade e veracidade de seus “achados”, ignorar as demandas de seus patrocinadores por pré-determinadas respostas? Os financiadores da Ciência e os patrões da pesquisa não influenciam os resultados obtidos pela “pura metodologia” científica, pressionando por resultados que se adaptem a determinações “à priori”? Parece-me ingenuidade tão grande acreditar que não, quanto crer nas respostas teológicas, filosóficas e ideológicas "à priori"...
Mas ninguém deve se sentir obrigado a crer em um sistema de pensamento alheio ao seu próprio “senso comum”. Afinal, foi o senso comum aliado à habilidade tecnológica, leia-se massa encefálica volumosa somada a um par de polegares opositores, que trouxe os homens através das arriscadas etapas evolutivas até o presente. O "Homem", pois, não foi extinto por falta de "sistemas científicos, filosóficos, teológicos ou ideológicos de pensamento organizado", mas, paradoxalmente, está ameaçado de extinção no presente por eles!!
Em torno destes sistemas esta a tecnologia. Ela é a "faca de dois gumes" da humanidade! Saber manuseá-la será essencial para a continuidade da experiência humana sobre o orbe, experiência rica, próspera e sábia; ou miserável, doente e condenada!
Compartilhar ou não de uma “visão de mundo”, de uma "cosmovisão", deve ser uma liberdade garantida. Entretanto acredito ainda ser o observatório privilegiado da Ciência o mais promissor e confiável dentre os existentes. “Até onde alcançam nossos telescópios”; “até onde alcançam nossos microscópios”, extensões de nossa visão. “O que nossos tomógrafos nos mostram”, nunca veríamos sem matar o paciente. “A energia liberada pela fusão nuclear”, equivale a força de incontáveis homens. É claro que a ciência às vezes cria representações dos fenômenos para que estas representações se adéqüem à teorias pré-estabelecidas; teorias errôneas ou propositadamente enganosas. Afinal, a essência da matéria tem, ate hoje, escapado à observação, matematização e compreensão. Portanto, e que dela se sabe diz respeito aos aspectos exteriores por ela/dela manifestos. Empirismo? Quitute vazio e exótico do banquete cultural da humanidade. Idealismo? Ainda mais distorcido saber, pois toda sua abstração se fundamenta no quadro conceitual do “sujeito”, que reflete seus anseios, interesses e necessidades sobre o objeto pesquisado![²]
Ao subirmos uma montanha nunca saberemos de fato se este desiderato foi fruto de nosso arbítrio e escolha, ou produto de uma necessidade vital, involuntária, subjacente à nossa vontade. Uma "peça" pregada em nós pelo universo subatômico, quântico, fazendo de nós suas marionetes com suas leis excêntricas e insondáveis.
Como dizem os hebreus e os urologistas: a circuncisão não deveria se circunscrever a círculos circunscritos...
Dúdis Sinatra Tozinsky Cobain, o mitridatizado.
[*] Leiam: SAGAN, C. O Mundo Assombrado pelos Demônios. A Ciência vista como uma vela no escuro. São Paulo: Cia das Letras. 20021.
[1] Por “cone cósmico” refiro-me somente ao universo em expansão que surgiu após a explosão primordial; ideológica e anglo-saxônicamente chamada “Big Bang”. Para crédito dos que estudaram o fenômeno, Roger Penrose e Stephen Hawking, talvez com grande “isenção” ( nunca se saberá com certeza), admitimos que talvez o nome tenha “colado” por falta de denominação melhor. Ademais, o "cone cósmico" é uma denominação antropocêntrica e errônea, que pensa e situa apenas o Homem, a Via Láctea e suas vizinhanças no interior da "cone"; que seria uma progressão linear seguindo desde a explosão primordial até o ponto final deste ensaio, desconsiderando o fato de que, na verdade, a explosão primordial originou uma " esfera expansiva", e não propriamente um cone. A "esfera" abrangeria muito mais possibilidades de formações galácticas e vida que o "nosso cone". Mas pensar em "cone de luz e matéria em expansão", simplifica um pouco a "visualização" do fenômeno sem prejuízo da análise, pois o Universo, até onde a compreensão e o chauvinismo humano o conseguem representar, é semelhante em suas partes infindas.
[2] Ver: ALTHUSSER, L. Lire le Capital.1965; e TEILHARD-CHARDIN, A. O fenômeno humano. 1955.



Um comentário:

  1. http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2013/07/17/bomba-o-crime-da-baixada-agora-em-quadrinhos/

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