sexta-feira, 6 de setembro de 2013

B.B.B (Black Big Brother)

Isso aqui é o moderno "Big Brother" de George Orwell irmãozinhos! O "Grande Irmão" do livro "1984". Quase uma profecia literária que se cumpre.
Há décadas os EUA, através de seus agentes e agências, têm espionado governos, instituições e indivíduos, de seu país e do mundo. Não pode ser surpresa que o façam hoje através deste canal de comunicação, a Internet.
A própria Internet nasceu de um programa de transferência de informação do Pentágono, a ARPANET ( Advanced Research Projects Agency Network); a primeira rede operacional de computadores à base de comutação ou permuta de pacotes de dados.
Os softwares e hardwares que usamos foram, em sua maioria, criados no Vale do Silício (Califórnia) e nas universidades da “Ivy League”, na Costa Leste americana: Universidades Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth, Harvard, Pensilvânia, Princeton e Yale; com a colaboração extra de "experts" geniais formados por elas, trabalhando isolados, além de inúmeros "geeks", "nerds", "hackers", "dweebs" e "dorks" cooptados pelo governo americano. Eles possuem os scripts, os layouts, as chaves, os códigos, os programas, as linguagens e os protocolos de uso e acesso. E poucos escrúpulos em usá-los para fins escusos...
Já na década de 1940 os americanos estavam desenvolvendo a Teoria Cibernética e a Teoria dos Jogos, trabalhando sobre os princípios da eletrônica, da informática, da automação e da comunicação de massas e mídias. Não foi desperdício de tempo e de recursos, como ficou claro. Eles se mantêm como potência hegemônica e policial no mundo. Seus planos foram gestados logo após o término de 2ª Grande Guerra e já previam a manutenção de uma supremacia econômico-político-militar mundial duradoura.
Procure saber por onde circulam os assessores de Zuckerberg, e os demais "Yuppies" da NASDAQ, e o porquê de tanta "generosidade" em nos oferecer um sofisticado site de 'relacionamento' gratuito, e perceberá o "X" da questão.
Os figurões são frequentadores assíduos de repartições e agências “pardas” do governo do EUA. Tudo se torna óbvio.
A sacada é a seguinte: “eles” nos fornecem entretenimento “gratuito” (se quisermos pagar, eles aceitam de bom grado!) em forma de softwares e/ou sites de entretenimento (Facebook, Red Tube, Winamp, Antivírus, MSN, YouTube, Yahoo, Google, Wikipédia, WikiLeaks, Ares, etc, etc, etc.), e nós, em troca, lhes contamos sobre nossas vidas: gostos, preferências, alianças, paranoias, neuroses, anseios, sonhos, preocupações, etc, etc, etc. Sem comentar as conversas nas janelas de “bate-papo”...
E assim eles detêm o maior poder possível: o poder da informação!
E o quê eles filtram e analisam afinal? Não são simplesmente “as palavras”. É o que elas representam: “macrotendências” e “microtendências”! É aqui que reside o interesse monitorizador e vigilante norte-americano.
Hoje, informação é poder. Foi através da manipulação do poder da informação que a Imprensa se tornou o 4º poder. A Internet vem sendo chamada de 5º poder!
Estas seriam as macrotendências: Onde haverá guerra? Qual governo cairá? Qual a provável duração de um regime político ou de uma guerra? Que tipo de armamento poderá ser usado? Para qual lado do espectro político pende determinado governo ou regime? Como se dará a ascensão ou queda de determinadas classes sociais? Qual as chances de uma intervenção lucrativo em determinado país? Qual o grau de risco em determinados mercados? Qual o risco de separatismo e guerra civil numa região? Onde poderão ocorrer possíveis sublevações e convulsões sociais?
Tendo acesso a estas informações, os investidores e o governo norte-americano podem se precaver, se adiantar, “prever” e “preparar” seu parque industrial, seus recursos, suas forças armadas, suas reservas e seus ativos para suprir os combatentes, os aliados ou/e seus simpatizantes; podendo, por exemplo, produzir armamentos com antecedência e depois fomentar seu uso... Como no caso Irã/Contras...
Eles buscam também, paralelamente, microtendências.
Estas são preferências, gostos, estilos e modismos locais e regionais. Assim podem vender o que as pessoas querem comprar; podem produzir em Hollywood o que se gosta de ver por determinada faixa etária, e em determinadas regiões, sociedades e culturas.
Deste modo, eles se asseguram em aplicar seus capitais em investimentos de alto ganho e baixo risco; podendo, por exemplo, produzir e aprimorar drogas psicoativas e também seus antagonistas anti-psicóticos para abastecer as sociedades neuróticas do mundo industrializado.
Conhecendo e influenciando nosso estilo de vida, ou pelo menos o estilo de vida da parte mais afluente das populações, qual seja, aquela que tem acesso ao mercado consumidor, à instrução, às redes de transmissão e partilha de dados, e rendimentos para adquirir "supérfluas quinquilharias indispensáveis”.
De posse da orientação atualizada destas propensões psicológicas e sócio-políticas, eles expandem seu mercado, continuamente drenando as riquezas do mundo, se equilibrando no topo instável e precário do sistema econômico global...
É a METÁSTASE CAPITALISTA. Imperial, ela vai indo, indo, indo... Alastrando-se... Corroendo sociedades, culturas, tradições e princípios éticos. Devorando seres, recursos e almas...

Dúdis Tozinsky Kobain, the outlaw.

terça-feira, 14 de maio de 2013

PUNHAIS E PICANHAS


O que me estraga é essa tal ironia. Não que isso seja um defeito, mas ainda assim acaba por ser indigesto, ou cômico, a depender de quem observa.
Ser irônico é como amolar um punhal, de um lado sarcasmo e do outro perspicácia. O problema é que as vezes acabo por cortar a carne usando sarcasmo quando deveria usar o outro lado e vice versa.
Eu poderia fazer picanhas com coxão duro, mas elas deixariam em minha língua um ranço de pobreza de espírito e então prefiro me abster deste mistifório.
E no final, acabo por dar aquele sorrisinho de canto de boca, como quem gosta do mal feito e sigo a terminar o dia acomodado na fumaça de um cigarro assistindo a banda passar...
Não pensem os senhores que tal predileção me é própria. É apenas o gosto do tempo.

Rafael Guerreiro

domingo, 21 de abril de 2013

NOS BASTIDORES DA MENTIRA


Há várias modalidades de pessoas mentirosas. Mas a pior delas é aquela que acredita na mentira que está contando. Traiçoeira e dissimulada, nutre suas mentiras com tanta convicção que chega a mesclar sua realidade com o seu mundo de ficções, criando assim uma terceira via nos moldes de seus interesses mais obscuros.
Há que se ter muita cautela com pessoas assim, porque não é difícil que ela faça a sua imagem descansar aos cuidados do chão. Também não custa muito e pessoas de um determinado círculo passarão a lançar contra você um olhar aterrorizador, porque ao destilar a mentira o mentiroso acrescenta em seu tubo de ensaio o melhor de si e extrai em seu erlenmeyer o pior da vítima, criando assim um Frankenstein argumentativo nada salutar para quem sofre o processo.   
Imagens de outrora, gestos e hábitos ou até mesmo objetivos declarados, tudo entra na dança e serve ao mentiroso como matéria prima de suas alucinações, demonstrando que entre ele e as informações de que se utiliza há tão somente uma relação parasita.
Pouco importam os antigos laços, pouco importa a opinião alheia. Tudo deve servir ao propósito maior de exaltar a realidade que o mentiroso necessita fazer existir, porque se do contrário for, ele mesmo não existe e assim o seu mundo particular perde qualquer sentido. Daí a necessidade de expor a mentira, sua obra prima, para que todos a vejam, para que todos lancem seu aval tácito e assim coroarem o mentiroso com gestos de aprovação e moções de apoio.
Diante de um veneno tão bem inoculado, por vezes a vítima acaba por não saber o que fazer e comete o erro de tentar retrucar a mentira. Ledo engano...Mal sabe ela que assim a encrenca se amplia. Há certas situações que demandam tão somente o silêncio. Impassível, no primeiro tempo se mostra fraco e impotente, mas quando aplicado de forma determinada, revela-se a contraface que escancara as ânsias do mentiroso, fazendo-o se recolher, ao final, à insignificância de suas opiniões maquiadas. 

Rafael Guerreiro

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Muito Barulho


O Feliciano é realmente uma pessoa ímpar no cenário político. Carismático entre os seus, arrebanha multidões em enormes cultos evangélicos. Possui ótima oratória e um raciocínio rápido, elegante e lógico, conseguindo convencer milhares de pessoas. Ele maquia com maestria questões difíceis de serem digeridas por pessoas que não comungam de sua crença religiosa ou de seu posicionamento político.
As vezes fico a pensar como pessoas negras ou mestiças ou com orientação sexual diversa daquela por ele aceita ainda conseguem frequentar os cultos religiosos por ele liderados depois de declarações aberrantes proferidas em desfavor destas mesmas pessoas. O fato é que tudo reside no poder da oratória e na disposição alheia de desejar uma palavra capaz de salvá-la a qualquer custo de um mundo extremamente inóspito e causador de uma profunda sensação de estranhamento.
Curiosamente, Hitler conseguiu o mesmo na Alemanha Nazista. Da mesma forma, com seu discurso extremamente bem arquitetado, com profundo senso lógico e oratória impecável convenceu milhares de pessoas a compartilharem de uma ideia de mundo profundamente excludente e segregante. E muitas, mas muitas pessoas mesmo se sentiram amparadas dentro da esquizofrenia hitleriana.
Feliciano se diz amparado pela Bíblia, interpretada a seu bel-prazer, servindo às suas distorções particulares e inclinações sem muito pudor. Hitler, sem se dar conta de sua megalomania, mergulhava cegamente em sua eugenia iluminadora da humanidade.
O que vejo em comum entre esses dois personagens curiosos é que ambos se sentem verdadeiros portadores da verdade suprema que, na sua visão particular, se fosse aceita por toda a humanidade nos conduziria à iluminação e comunhão plena com o Sagrado.
E no meio de discursos inflamados, embebidos em lágrimas, suor e muita saliva que espuma pelos cantos de sua boca e também no microfone, Feliciano grita avidamente em favor de sua crença e contra a cor, dignidade ou, mais recentemente, contra o Deus de outras pessoas, trazendo no peito uma convicção tão contagiante que foi capaz de criar uma das maiores aberrações políticas de nosso tempo, o Deputado Feliciano, com mais de 200.000 votos e nenhum pensamento crítico.
Hitler tornou o mundo de sua época um pouco mais barulhento graças à sua artilharia disparada contra as diferenças alheias. Feliciano, por sua vez, torna, igualmente, o cenário político brasileiro um pouco mais barulhento com seus gritos e seu êxtase tão certos de si mesmo que nem se dá conta de como o mundo fica cada vez mais barulhento, cada vez mais barulhento, barulhento...

Rafael Guerreiro

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

DEUS E O DIABO DA TERRA DO CAMARADA STALIN

                                                                                                  

                                                                                                     “Manuscritos não ardem”

            Coisas estranhas acontecem na Moscou da década de 1930. O presidente da Massolit[1], Aleksándrovitch Berlioz, tem sua cabeça cortada em um atropelamento nada convencional, isso pouco antes de um estranho tipo ter lhe descrito como morreria. Mulheres recebem sapatos e roupas que desaparecem subitamente deixando-as nuas em plena rua. Um pavoroso gato preto bebe vodka, anda sobre duas patas e provoca terror no apartamento número 50 da Rua Sadôvaia. Dinheiro se transforma em rótulos de bebidas, poetas enlouquecem, pessoas desaparecem... É o diabo, o satanás em carne e osso, ou seja lá do que ele é feito, que resolve visitar a Moscou dos tempos de Stalin. E não está sozinho, vem com seu assustador, mas por vezes cômico séquito.
            Em “O Mestre e Margarida” o escritor soviético Mikhail Bulgákov coloca tipos sociais bastante característicos da Moscou stalinista em um mundo fantástico, que para os leitores latino-americanos pode inclusive lembrar a Macondo de “Cem anos de solidão”. O romance demorou cerca de dez anos para ser finalizado e Bulgákov chegou inclusive a queimar o manuscrito original em razão da perseguição que sofria pelo regime soviético. Finalizado em 1940, semanas antes da morte do autor, “O Mestre e Margarida” ficou restrito apenas ao estreito e íntimo círculo de conhecidos de Bulgákov, pois seria impensável sua publicação naqueles idos. Sobrevivendo há duas décadas escondida, essa obra-prima de Mikhail Bulgákov foi publicada apenas na década de 1960 e mesmo assim, com cortes da censura.
            O Mestre, a que faz referência o título, é um escritor perseguido e colocado no ostracismo pela imprensa e pela crítica soviética. Ao ter seu livro sobre Pôncio Pilatos recusado pela editora e se tornar alvo de perseguição, o Mestre entra em estado de profunda depressão e se interna em uma clínica psiquiátrica. Margarida é a esposa de um rico homem, porém, se apaixona pelo Mestre e por sua obra, dedicando-lhe toda sua existência, inclusive, entregando sua alma ao diabo para salvá-lo. Em razão desses elementos o romance de Bulgákov inevitavelmente traz a mente o Fausto de Goethe, porém, a história do Mestre e de Margarida é apenas uma entre tantas outras que se cruzam e intercruzam ao longo da obra. Inclusive, a amargura do Procurador Pôncio Pilatos por conta da crucificação é parte central do livro.
            Mais que o romance entre Margarida e o Mestre ou o humor negro das situações inusitadas, a obra de Bulgákov é uma crítica contundente e refinada ao regime stalinista. Aliás, o Mestre parece ser o próprio autor colocando-se como personagem, pois tanto o Mestre como Bulgákov queimaram seus próprios manuscritos por conta da perseguição política. As pessoas que satanás e seus funcionários fazem desaparecer sem deixar rastro ou memória lembram muito os chamados “inimigos do povo”, que simplesmente “deixavam de existir no meio da noite”. Os documentos magicamente modificados, que aparecem, desaparecem e reaparecem, logo trazem a mente o falseamento da história pelo regime soviético.
            Bulgákov morreu em 1940, porém, se não tivesse morrido, provavelmente teria morrido. A frase parece estranha e confusa, mas expressa bem o destino que facilmente o escritor teria naqueles anos de intensa perseguição política que precederam a Segunda Guerra. O próprio clima de “realismo fantástico” que permeia “O Mestre e Margarida”, por si só, mesmo que fosse o mais inocente dos romances, já constituiria uma afronta ao “Realismo  Socialista” que o governo tentava impor à arte. Além disso, Bulgákov coloca a todo o momento  algumas questões incomodas, como por exemplo, as lojas e restaurantes especiais, reservados apenas a alguns burocratas ou apoiadores do regime; a briga por vaga nos apartamentos coletivos; o “denuncismo”, que propiciava uma espécie de “Estado policial”, onde cada cidadão poderia estar sendo vigiado pelo vizinho, que na primeira oportunidade denunciaria o colega cobiçando sua moradia ou cargo. Enfim, se a obra tivesse sido publicada provavelmente não seria do agradado do camarada Stalin.
            Aquele que conhece um pouco da história soviética vai se deliciar com a sátira do autor aos aspectos e tipos sociais específicos da vida moscovita na década de 1930. Porém, apesar do viés político que “O Mestre e Margarida” se permite ser lido, ele não se resume a isso. É uma obra-prima, construído com uma prosa fácil, humor sutil e cativante. Assim, mesmo um leitor pouco familiarizado com os aspectos políticos, vai se divertir com as peripécias de satanás e seus funcionários a solta em uma grande capital em pleno século XX.

Saymon de Oliveira Justo


[1] Antiga Associação literária de Moscou.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Simonov e a volta do “Eu”

A Revolução de Outubro de 1917 transformou praticamente todas as esferas da sociedade russa. A propriedade privada foi violentamente atacada; a economia passou a obedecer a uma nova lógica; as antigas relações sociais foram subvertidas; o que era certo tornou-se errado e vice versa; o bom transformou-se em ruim... E nesse novo mundo que estava sendo criado, a produção artística também não escapou incólume.
Já nos primeiros anos da Revolução muitos bolcheviques renegavam todo e qualquer resquício do passado imperial. Como Comissário da Guerra, Trotsky travou uma encarniçada luta no seio do próprio Partido contra seus camaradas que queriam expurgar do Exército Vermelho os oficiais formados nas academias do Czar. O mesmo Comissário perdeu boa parte do seu capital político em rusgas com setores do bolchevismo que pretendiam eliminar sumariamente toda “arte burguesa” e não menos sumariamente, forjar uma suposta “arte proletária”.
Conforme Stalin e seus partidários acendiam no Partido e no governo soviético, essa perspectiva de banir todas as “conquistas” das antigas gerações  como velharias burguesas ganhou força. Se no final da década de 1920 a coletivização forçada do campo e a criação dos Kolkhoz (fazendas coletivas) representam a insanidade do regime em eliminar a pequena agricultura individual, anos antes os Kommunalkas objetivavam também o fim do modelo burguês de convivência. Os Kommunalkas eram apartamentos coletivos, onde várias famílias compartilhavam cozinha, sala, banheiro, enfim, constituía uma tentativa de eliminar o individualismo e a privacidade familiar, valores tidos como nocivos à nova sociedade.
A arte proletária também deveria banir o individualismo, assim, os novos poetas eram “incentivados” a louvarem o amor ao Partido, ao camarada Stalin e ao coletivismo. O antigo lirismo do homem por sua amada, ou vice-versa, passa a ser visto em princípio como fraqueza pequeno-burguesa e posteriormente como uma “arte inimiga” da nova sociedade e seus valores, podendo mesmo o artista ser enquadrado na categoria penal de “inimigo do povo”. Nesse contexto o regime soviético patrocinava  cineastas, pintores, escultores, romancistas e poetas, transformando-os em soldados da nova cultura proletária, ou melhor, panfletistas do regime soviético.
Konstantin Simonov nasceu no seio da antiga intelligentsia russa e para apagar essa “mácula” em seu passado e ser aceito na sociedade soviética, ainda jovem Simonov rejeitou uma possível formação acadêmica e se matriculou em uma Escola de Aprendizes de Fábrica, as FZU, onde aprendeu o ofício de torneiro. Estudando durante o dia, Simonov trabalhava a noite montando cartuchos para rifles  e a confiar em suas memórias, realmente se empolgou com o “espírito da Revolução”. Com a prisão do padrasto, Simonov trabalhou ainda mais para construir e fortalecer uma identidade proletária, pois só assim poderia camuflar suas origens burguesas e não terminar em algum preso em algum Gulag como inimigo do povo.
Na década de 1930 estava sendo construído o Canal do Mar Branco, uma obra que ligaria este ao Mar Báltico. Nessa obra foi empregada literalmente mão de obra dos prisioneiros dos gulags, que morreram aos milhares escavando o canal com as próprias mãos. Foi por esses tempos que Simonov escreveu alguns poemas sobre o caráter redentor do trabalho na vida dos prisioneiros políticos. Não se sabe exatamente como, mas esses poemas foram parar nas mãos dos agentes da OGPU (polícia política) e esse foi o início da carreira de Simonov como “poeta proletário”.
Konstantin Simonov foi um típico poeta a serviço do Partido e do Estado soviético. Recebia incentivos, regalias e orientações para se enquadras no Realismo Socialista e promover as conquistas e façanhas do regime. Tido por muitos como um poeta medíocre, Simonov conseguiu sobreviver e se destacar no mundo soviético em boa parte pelos serviços líricos que prestava ao regime. Com a invasão da União Soviética pela Alemanha nazista em 1941, Konstantin Simonov foi mandado ao front como uma espécie de correspondente de guerra e além de trabalhar contra o derrotismo, deveria escrever para levantar o moral dos “soldados vermelhos”. Apaixonado pela atriz de cinema Valentina Serova, Simonov escreveu “Espere por Mim”, talvez seu mais belo poema.
Mas a verdadeira importância de “Espere por Mim” é o rompimento que representa com o “Realismo Socialista”, trazendo novamente à dignidade àquele amor romântico entre duas pessoas. Soldados compilavam o poema e repassavam aos camaradas; recitavam nas trincheiras e mandavam em cartas às suas amadas. Finalmente Simonov se tornava Poeta, sentindo as dores do homem comum, traduzindo-as em poesia e a elevando à dignidade lírica.


“Espero por Mim” foi o primeiro grande sinal essa mudança estética. O poema conjugava um mundo privado de relacionamentos íntimos independentes do Estado. Como foi escrito a partir dos sentimentos dos sentimentos de uma pessoa, tornou-se necessário para milhões. Com o barulho da batalha em todas as partes, com oficiais que gritavam e oficiais que latiam, o povo precisava da poesia para que ela tocasse suas emoções; o povo ansiava por palavras para manifestar a tristeza, a raiva, o ódio, o medo e a esperança que o agitavam. “Seus poemas vivem em nossos sentimentos”, escreveu um grupo de soldados para Simonov em 1945.[1]

Por: Saymon de Oliveira Justo


ESPERE POR MIM


Espere por mim, que eu voltarei,
Mas tens de esperar muito
Espere quando a chuva amarela
Tristeza trouxer,
Espere quando a neve vier,
Espere quando fizer calor,
Espere quando os outros não esperarem,
Esquecidos do passado.
Espere, quando dos países distantes
Cartas não chegarem,
Espere, quando até se cansarem
Aqueles que juntos esperam.

Espere por mim, que eu voltarei,
Não perdoes àqueles
Que encontram palavras para dizer
Que é tempo de esquecer.
E se crêem, filho e mãe,
Que já não vivo,
Se os meus amigos, cansados de esperar,
Se sentam à lareira
E bebem vinho amargo
Para me recordarem…
Espere. E com eles
Não te apresses a beber.

Espere por mim, que eu voltarei
A despeito da morte.
Quem não me esperou,
Que diga: ‘Teve sorte!’
Não compreendem os que não esperavam
Como no meio do fogo
A tua espera
Me salvou.
Como sobrevivi, saberemos
Só tu e eu, -
É porque me soubeste esperar
Como ninguém mais

Konstantin Simnov




[1] FIGES, Orlando. Sussurros. A vida privada na Rússia de Stalin. Editora Record. Rio de Janeiro. 2012. P. 463.

domingo, 30 de dezembro de 2012

IRMÃ DAS ALMAS


Ela se achega com sua cadeira espaçosa e se põe no meio da gente e nem pede licença.
Vem escondida no dia-a-dia, na cadeira de sol e no banco da praça, no espelho e nas escovas de dente. Vem por si mesma diluída naquilo que ousamos chamar de razão, no senso nada bom criado a troco de nada.
E todo mundo tem um pouco dela como semente. Nada lhe foge aos ouvidos, não há nada capaz de recusar seu autógrafo. No seio da gente ela brotou, como uma irmã gêmea, tão nossa quanto nós mesmos, e se de um lado a razão que criamos parece nos indicar o caminho, por ela brota a dúvida e a certeza num mesmo cálice doce e amargo no qual bebemos do cotidiano alucinado de tantos argumentos toscos quanto nossa imaginação pode criar.
É um disparate, mas é nós mesmos, oras bolas. É ela quem negamos, mas que desejamos assim tão forte nos sonhos, como orates que somos.
Pois é, se de um lado a razão nos beatifica, por outro, a loucura, companheira nossa, trata de calcificar a vida, mesclando sonhos com cimento e ilusões com lágrimas aqui mesmo dentro da gente, de onde brota o sorriso e choro, tão nossos quanto é a nossa capacidade de chorar quando queremos rir e rir quando queremos chorar. 

Rafael Guerreiro