sábado, 5 de novembro de 2011

Lapsus tetricus.







Conclui-se que, definitivamente, não agimos como teorizamos, não escrevemos como falamos; não falamos como pensamos e não pensamos como gostaríamos ([...] “-um lugar melhor no futuro? Pense melhor desde agora”) As lacunas entre ideações, expressões e ações são transpostas apenas por precárias pinguelas lingüísticas, tanto no ato de transformar imagens e idéias em palavras, ou sensações em informações utilizáveis, quanto no ato de traduzir todos estes produtos simbólicos em “ação”. Nestes pedágios ou “espaços semióticos” de codificação/decodificação a informação que desejávamos transmitir acaba chegando “distorcida” ao âmbito público, seu destino, o que constitui uma tarifa bastante elevada a ser paga e resulta em desleais interpretações de nosso “leitmotiv” [1] original ([...] “somos epifenômenos do processo de seleção natural das espécies em evolução, um epifenômeno em epifania”).E para que seja inteligível, nossa "mensagem" passa pelo mesmo tipo de filtro subjetivo, o do interlocutor, sendo indiretamente transmitida em forma de sons, imagens e estímulos tácteis. A ironia é que o resultado das alterações pode ser melhor do que a mentalização primária que fizéramos, e neste caso possivelmente não haverá problemas com a paternidade da “obra”. Mais difícil de lidar são as “esquisitices” e "aberrações" que surgem vez por outra e que nada representam , expressam ou significam, não obtendo, pelos critérios estéticos vigentes, o status de obra ou arte. Como isto que ora vos apresento...
























Estas instâncias intelectuais, ou “espaços semióticos”, arruínam nossas intenções e nos embaraçam publicamente ao tornar nossas melhores motivações e inspirações em “frankensteins” que pouco ou nada mais são que dejetos lingüísticos..., como este que por hora vos apresento, por exemplo, (“[...] - os mortos que me perdoem, mas terei mesmo de enterrá-los”, pensou o coveiro, antes de tombar ele mesmo numa cova) São “peças” que a mente nos prega, seja por negligência e/ou descuido no preparo e apresentação do conteúdo; seja porque, de fato, é-nos impossível transmitir “verdadeiramente” o que almejamos, só nos restando então a esperança de que o produto final de nossas elucubrações seja, ao menos, algo que não nos coloque em maus-lençóis frente aos leitores e críticos ([...]” - não há nada tão furioso quanto um vulcão; nada é tão gracioso quanto um vulcão!”).

Existem textos que, além de carecerem de serventia pessoal ou pública, não se fazem objeto de interesse ou curiosidade. E a despeito da bibliografia que indicam, não “constroem” nem “tecem” nenhum saber novo, mesmo se desdobrando em interlocuções implícitas e desvelando suas mais intimas fraquezas, como este que ora vos apresento.

Discursos insossos, de difícil digestão, não são exclusividade de medíocres, diletantes e pedantes de nossa época. Sócrates já os denunciava a 2500 anos em referência aos “sofistas” de seu tempo. ([...] –“ruinosa idéia surge em minha arruinada mente enquanto observo, das ruínas de um edifício, ao arruinamento do mundo) Mas os sofismas não foram apanágio de gregos eruditos. Eles persistem, subsistem no espaço e no tempo pois são instrumentos, subterfúgios a desviar a atenção dos que deles se ocupam, impedindo-os de atentarem para aspectos e eventos mais importantes ocorrendo no subtexto, nas entrelinhas e no “outside text[2]... Como no texto que ora vos apresento ([...] – temo o porvir; o dia em que nada mais temerei”)

Sem adentrar nos meandros obscuros do inusitado do mundo e da vida, nos desvios patológicos da mente autoral, nos precipícios das questões irrespondíveis, nas inóspitas regiões das extrapolações verbais, nas selvagens e traiçoeiras corredeiras dos sentimentos desvairados, nas tormentas do destino impiedoso, nas íngremes descidas aos abismos tenebrosos da natureza humana, nos estreitos desfiladeiros do desespero e da desesperança, nas cavernas úmidas e sombrias da incerteza, da dor e da exaustão, eles não agitam as emoções, não comovem, não exaltam e não despertam da modorra cotidiana. Só nos tomam tempo, trabalho e exigem muito “saco” para serem adequadamente, ou minimamente, transliterados e compreendidos ([...] – “Se ela for forte o bastante, sobreviverá”) Justamente o tipo de texto que, ora, vos apresento. ([...] – “Talvez, um dia, volte a ser jovem. No momento sou idoso, e estou exausto”) - "Vocês, eles, os outros, sempre os outros"; vociferava a verdadeira culpada!

Isto decorre do fato de que o homem, aparentemente, ainda não aprendeu a explorar nem a verdadeira “natureza” da expressão lingüística, e nem a sua melhor performance como “utilidade sociológica”; dada sua recente aquisição biológica da linguagem articulada ([...] – “Não sei como nem quando aconteceu! Quando percebi já estava assim..., se decompondo!”). Não deixa de ser interessante imaginar o que será da linguagem humana daqui a alguns milênios. Se houver milênios a se alcançar por nossa brutal espécie. Aparelhos “leitores de idéias”? Transmissores de pensamento? Captadores de intenções? Contatos mentais interplanetários? ([...] – “Só o pensamento viaja mais rápido que a luz!"). Arquivos mnemônicos extra-corticais em forma de circuitos integrados de silício? "Inteligência artificial" do tipo humana? O que poderá ela fazer de “bom” por nós e pela vida na Terra se nós mesmos pouco temos feito? ([...] – “I’m already lifeless. So many times dead..., killed by myself”)

O que eram urros, rugidos, bramidos, gritos ameaçadores e berros lancinantes, gradualmente se tornaram signos fonéticos, enquanto os bandos de hominídeos vagavam em busca de alimento, abrigo e água. A pré-história da linguagem é tão misteriosa quanto a pré-história dos próprios homens. O “salto” seguinte foi a criação da escrita, em torno de 4.000 AC.([...] – “apenas sete por cento do que mentalizamos/imaginamos é transmutado em palavras e frases. Todo o resto é exteriorizado por expressão corporal, gesticulação, postura física, sorrisos e caretas, entonação e fluxo vocal, além dos ainda presentes grunhidos, resmungos e suspiros. E pela arte, sim, a arte...”) Não é surpreendente que, quando mal acaba de deixar as cavernas, as savanas e florestas de caça, pesca e coleta, acredite o Homem ter o dom para a física teórica, para a poética, para a narrativa histórica, as artes cênicas, para a música erudita, para as ciências humanas, para a advocacia, para o sacerdócio; ou para o automobilismo, a aeronáutica, a exploração submarina e espacial? O “salto” tecnológico foi proporcionado pela “domesticação” e normatização súbita da linguagem encetada pela escrita ([...] – “se Ele é incognoscível, insondável, incompreensível, invisível e imperceptível, como querem que eu acredite Nele?). Ainda assim, a linguagem escrita é, em comparação ao enorme trajeto evolutivo percorrido pela espécie, uma pequena “ladeira” onde ela tenta dar significado ao que imagina serem objetos significativos, dignos de um nome, de um adjetivo, de uma descrição. Mas a decifração total dos vários aspectos destes objetos, suas dimensões, sua superfície completa, sua profundidade, complexidade e essência quase sempre escapam aos atentos censores do linguajar humano ([...] – “a linguagem humana é carregada de ‘jargão’ terráqueo. O Homem é incapaz de dissociar-se de seu gabarito lingüístico terreno para ingressar numa esfera maior de compreensão”) Muitas confusões e equívocos são produzidos junto com os tênues e pálidos significados que pretendemos conferir aos diversos fenômenos e entidades exteriores e interiores que vivenciamos e contactamos. Além do mais, somos antropocêntricos demais, ainda, para observar nosso universo e mundo com olhos totalmente objetivos. ([...] –” é como se fosse uma enorme cratera, bem em meio a uma planície, e que representasse o ímpeto de uma certeza equivocada!) Nestas tentativas, nos vemos ludibriados por nossos próprios interesses e motivações que em nada deveriam obstruir esta objetividade. Mas toda “objetividade” parte de uma “subjetividade”. Como então esperar que surjam “verdades” descritas em discursos e linguagens?? ([...] – “muita petulância minha acreditar que sei, por intuição, o que é melhor, interessante, bom e útil aos outros”)

Tentando afastar-me do antropocentrismo no qual me isolei há tempos, esforço-me por evitar julgamentos, avaliações e interpretações pessoais, mas percebi ser esta uma tarefa de Sísifo ([...] – “talento e dons garoto, só se manifestam sob o peso de muito esforço, determinação e persistência!”) Mais honesto é admitir estas limitações pessoais como advindas da própria construção lingüística herdada e mal-empregada . Não nego que haja “verdades”. Assevero apenas que, para alguns, a “verdade” é algo conveniente a ser defendido como absoluto, sem mais inquirições. Enquanto para outros a mesma entidade pode apenas ser tida como “algo real”, algo que possui características que o delineiam de forma aproximada, mas que não abrangem seu todo; e a “verdade”, como tal ou por definição, deveria dar conta do todo ([...] – “tão frágil quanto às pétalas primaveris de flores montanhesas”). [3] Portanto, eis o texto que, por ora, vos apresento.([...] - "e eu ainda sou bem novo, pra tanta tristeza. Deixemos de coisas, cuidemos da vida! Senão chega a morte ou coisa parecida, e nos arrasta moços, sem ter visto a vida...; ou coisa parecida...". Antonio Carlos Belchior, da canção 'Na hora do almoço').


[1] “Outside text”, termo inglês, cuja tradução se aproxima de “externo ao texto”; usamo-lo não obstante o paradoxo de que “tudo” o que está inserido no texto se origina “fora” do texto, enquanto tudo o que é abarcado pelo texto também é englobado pelo texto. Eis uma das chaves da criatividade literária e poética.(ver: Bloom, Harold. Um mapa da desleitura. 2ª edição. Rio de Janeiro: Imago. 2003. Bloom, H. Poesia E Repressão. O revisionismo de Blake a Stevens. Rio de Janeiro: Imago. 1994. Bloom, H. Genio. Rio de Janeiro: Editora Objetiva. 2003. Bloom, H. O Cânone Ocidental. Rio de Janeiro: Editora Objetiva. 2003).


[2] “Leitmotiv” é uma expressão idiomática germânica talhada no universo musical que “significa” “motivo condutor” e “enredo”, enquanto na psicanálise indica uma causa lógica entre duas entidades, e na literatura, um“tema recorrente”.

[3] Bibliografia:

Luhmann, N. A realidade dos meios de comunicação. São Paulo: Paulus, 2005.

Cassin, B. O efeito sofístico. São Paulo: Editora 34, 2005.

Chomsky, N. Novos horizontes no estudo da Linguagem e da Mente. São Paulo: Editora Unesp, 2002.

Gomes, W. Transformações da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus. 2004.

Santaella, L. Culturas e artes do pós-humano. São Paulo: Paulus. 2003.

Wainberg, J. A. Mídia e terror. Comunicação e violência política. São Paulo: Paulus. 2005

McLuhan, M. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix. 2006.

Fry, D. Homo Loquens. O homem como animal falante. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1978.

Pinker, S. Tábula Rasa. A negação humana da natureza humana. São Paulo: Cia das Letras. 2004.

_______. Como a mente funciona. São Paulo: Cia das Letras. 2004.

_______. O Instinto da Linguagem. Como a mente cria a linguagem. São Paulo: Martins Fontes. 2004.

_______. Words and Rules. The ingredientes of Language. New York: Perennial. 2000.

Baudrillard, J. O Sistema dos Objetos. São Paulo: Editora Perspectiva. 1973.

Frye, N. O Caminho Crítico. São Paulo: Editora Perspectiva. 1973

______. Anatomia da Crítica. São Paulo: Cultrix. 1989.

Starobinski, J. As Palavras sob as Palavras. São Paulo: Editora Perspectiva. 1974.

Derrida, J. A escritura e a diferença. São Paulo. Editora Perspectiva. 2002.

Barthes, R. Critica e Verdade. São Paulo: Editora Perspectiva. 2003.

Foucault, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal. 1990.

_________. A Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2002.

_________. As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins Fontes. 1981.

Eagleton, T. Teoria da Literatura. São Paulo: Martins Fontes. 2003.

Bakhtin, M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes. 2003.

Ullmann, S. Semântica. Uma introdução à ciência do signo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1973.

Burke, P. Porter, R. História Social da Linguagem. São Paulo: Editora UNESP & Cambridge University Press. 1997.

Hacking, I. Por que a linguagem interessa à filosofia? São Paulo: Editora UNESP & Cambridge University Press. 1999.

Popper, Sir K. Conhecimento Objetivo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 1975.




Nenhum comentário:

Postar um comentário