sábado, 5 de fevereiro de 2011

O indivíduo e a História

Munich, 1923

Após tentativa frustrada de golpe de Estado, membros do Partido Nacional Socialista foram cercados pela polícia. Houve intensa troca de tiros e os golpistas foram presos ou dispersos. O lider do partido, Adolf Hitler, foi morto com um tiro na cabeça.

Se tal notícia fosse verdadeira, o que tera mudado no século XX?

O Partido Nazista teria se reerguido?
Teria a conotação antí-semita que teve?
As clausulas de Versalhes teriam desencadeado a Segunda Guerra?
Se sim, os alemães teriam aberto uma segunda frente com a URSS?
Os alemães teriam banido cientistas judeus?
Os alemães poderiam ter desenvolvido a bomba atômica antes dos americanos? E a jogado sobre Londres ou Moscou, por exemplo?
Enfim, o "indivíduo" Adolf Hitler foi determinante para o desenrolar dos acontecimentos na primeira metade do século XX? Ou foi apenas a ferramenta de que se serviu a História para realizar seus desígnios?

4 comentários:

  1. Um bom exercício especulativo... Uma experiência mental, como dizia Einstein. Se Hitler houvesse morrido, acredito eu, o nacionalismo teutônico ou germânico "da época" teria continuado a se manifestar em outros partidos de extrema direita. O que Hitler fez foi condensar aspirações e insatisfações implícitas, e torná-las explícitas. Acredito que de alguma outra forma, ou através de outro indivíduo, ou outros indivíduos, "isso" viria à tona. O terreno já tinha sido semeado havia décadas... Erva daninha brota em qualquer jardim, sem exceção, bastando que haja "condições favoráveis". A natureza humana em seu aspecto brutal e violento também. Veja nas comunidades sem o controle, instituições e intervenção de "forças externas" o que acontece! Veja o Haiti. Observe o Egito daqui pra frente. Ou o Iraque. Guetos, subúrbios, favelas, periferias; ou mesmo grandes centros, grandes cidades e grandes nações!! Onde quer que o tal "pacto civilizatório" não tenha sido discutido ou consentido, a pressão extravasa de algum modo; em forma de implosão ou explosão. Acho que é isso.

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  2. Já que sei que vais perguntar, adianto-me. Como Pacto Civilizatório, entendo as regras do jogo político discutidas, combinadas e consentidas. Melhor ainda se a sociedade em questão tiver escrita para que as normas debatidas sejam firmadas num ato simbólico de fundação da unidade política, em forma de documento; ainda melhor se a sociedade for “letrada”, com cultura complexa; e ainda melhor se for de fato culta. Ainda que estas qualidades sejam arbitrárias e não garantam a “pax”. Qual a forma que este pacto tomará, seja um documento inédito, seja este uma carta, ou uma declaração, uma constituição ou um tratado, tanto faz. Se a sociedade for “pré-alfabetizada”, se não tiver inventado ou importado um tipo de escrita, a tradição internalizada, oral e consuetudinária, somada as forças biológicas que instituem as hierarquias tribais, que sejam estas a força física, a ancianidade, o carisma, os dons, o patriarcado ou o matriarcado farão às vezes do documento formal escrito, ou seja, transmitirão as “regras” para a convivência pacífica. Como acontece entre nossas tribos indígenas, como acontece entre os hotentotes e pigmeus africanos, com os ovambos e hereros da Namíbia, como acontece entre os “caçadores de cabeças” da Nova Guiné; ou como acontecia entre os lapões, os tártaros, os aborígenes ou entre os “esquimós”, por exemplo. Se a Alemanha rompeu o “Tratado de Versalhes”, é porque não havia consentido com seus termos. E como geralmente acontece nestes casos, o ódio gerado pelo que é considerado injusto, se volta contra os que instituíram a injustiça, ou contra os que “parecem” se beneficiar dela.

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  3. Em linhas gerais concordo com a argumentação. Acredito que a vontade do indivíduo, por si só, não coloca a História "em movimento". As condicionantes econômicas, sociais e culturais atuam de forma mais decisiva sobre a História que o indivíduo.
    Em relação ao período tratado, também acredito que o nacionalismo, o "revanchismo alemão", o anti-semitismo e o "espírito beligerante" constituíam quase uma inevitabilidade, dada as condições econômicas da Alemanha no período, o anti-semitismo disseminado e o estado precário das relações internacionais estabelecidas em Versalhes.
    Assim, o indivíduo Hitler aparece como o fruto desse "terreno". Sua ideologia e a aceitabilidade que teve, devem muito menos aos seus "dons pessoais" que ao contexto no qual estava inserido, e provavelmente um “outro Hitler” apareceria para carregar as mesmas bandeiras.
    Porém, ao olhar para alguns aspectos específicos do período, e no meu entender decisivos, vejo como certos indivíduos também imprimem sua forte marca na História. Se uma Segunda Guerra parecia praticamente certa a muitos observadores já no início dos anos 30, a possibilidade de uma guerra em duas frentes, para o alto-comando alemão e muitos políticos alemães, era totalmente inviável. Mesmo contrariando seus oficiais, partidários e todo trauma da 1 Guerra em duas frentes, Hitler teve papel decisivo para levar a URSS á beligerância. Dessa forma, uma guerra restrita apenas à frente ocidental teria contornos completamente diferentes do que teve de fato.
    A possibilidade de uma aliança anti-soviética, envolvendo Alemanha, França, Inglaterra e Itália também era bastante real e nesse aspecto, as decisões tomadas por Hitler ao invadir a Tchecoslováquia e Polônia, possibilitaram colocar nas mesmas trincheiras adversários quase que inconciliáveis, como Inglaterra e URSS. Nesse sentido, no meu entender, o desenrolar do conflito seria totalmente diferente do que foi sem o indivíduo do “bigodinho ridículo”.
    Por fim, apesar do anti-semitismo difundido, penso que Hitler teve papel fundamental na política judaica implementada pelo Estado nazista. Dessa forma, sem Hitler, os alemães teriam expulsado a importante comunidade científica que vivia no país? Não poderiam ter chegado a bomba atômica antes dos americanos?
    Confesso que esses questionamentos são frutos de um artigo que li do Hobsbawm. Assim, quero menos discutir o que teria ou não acontecido se Hitler tivesse morrido em 1923 e mais refletir sobre o papel do indivíduo na História. Lembro aqui Edward Carr:

    “A sociedade e o indivíduo são inseparáveis; eles são necessários e complementares um ao outro.”

    Acredito que o indivíduo está imerso até a raiz dos cabelos na cultura e na base material da sociedade que vive. Sua própria atuação e possibilidades de escolhas são dadas por essa sociedade. Porém, creio que certos indivíduos, por qualidades próprias (que também só se tornam qualidades em determinado contexto), interferem de maneira decisiva na tomada de um caminho e não outro.
    Porém, ao contrário do físico, o historiador não dispõe de um laboratório onde possa substituir variantes para refletir sobre resultados, dessa forma, isso tudo é apenas especulação.

    SAIMOV

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  4. É a questão da singularidade do fenômeno “histórico”, também discutida por Edward Carr, grande conhecedor da União Soviética e suas peculiaridades. A obra “History of Soviet Russia” possui 14 volumes, se não me engano! Obra considerada “minuciosa, perceptiva e o mais imparcial possível(¹)” Mas é em “What is History”, que Carr afirma que “os fatos não falam por si mesmos”, e nem são pura invenção dos historiadores. Mas só se tornam “fatos históricos” por seleção e interpretação de importância e valor, de quem historiciza os eventos. ”É o historiador quem determina a que fato dará a palavra e em que seqüência ou contexto”(Carr, What is History,pp,12-13).Para Carr, indivíduo e sociedade estão envolvidos em um diálogo recíproco. Mas, segundo este autor, e é isso o que nos interessa, (...)pessoas qualificadas podem traduzir a vontade de sua época(²)” Além disso, Carr sustenta que ‘o que aconteceu não poderia ter sido muito diferente(...), a não ser que as causas do evento em questão tivessem sido muito diferentes também(...). Ou seja, Carr não é um relativista pós-moderno. História é ciência, segundo Carr. Ela releva sim universalizações, pois se utiliza de um instrumento universal, a linguagem. Ela “ensina”, oferece lições, pois o historiador generaliza conceitos como “revolução”, “guerra”, “genocídio”, “ tirania”, com base em estudos sobre eventos anteriores. Ela prediz com orientações sobre os rumos a seguir. Ademais, os prognósticos científicos só se verificam se “todas” as variantes forem controladas pelo homem ou pelas diversas leis que subjazem umas as outras num ad infinitum... A História é subjetiva, sim; mas qual cientista não esta envolvido subjetivamente com o objeto de suas pesquisas?? A história esta ligada a juízos morais, religiosos e ideológicos.Sim, como as demais ciências. E nenhum cientista deve crer no que quer que seja! Ele crê se quiser!
    Polêmico, Carr foi polêmico, sem dúvida. Julgamentos é o que subjetivam a História mais que qualquer outra conduta. Mas nem Carr escapa deste axioma quando diz que Stalin foi um ocidentalizador, um modernizador, e que colocou a Rússia entre as potências mundiais!!

    Notas:(¹) Trevor-Roper, H.R., “ E.H. Carr´s Success Story”, Encounter, 81,pp, 69-77, 1962. Ou: Salov, I.V. “Sovremennaia Beurzhuaznaia Istoriografia Velikoi Oktiabrskoi Sotsialisticheskoi Revoliutsii”, Voprosy, Istotii, pp, 192-201, 1967. Ou: Halsam, J. “E.H. Carr and the History of Soviet Russia”, Historical Journal, vol, 26, pp, 1021-1027, 1983. Tudo na net.
    (²)E. Carr, op, cit,p 54; citando Hegel “Filosofia do Direito”, p, 295.

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