quarta-feira, 2 de março de 2011

A REVOLUÇÃO PERMANENTE E O "ORIENTE MÉDIO"

Nos anos de 1905/06 León Trotsky formulou as bases de sua Teoria da Revolução Permanente. Enquanto os mencheviques defendiam a idéia de que a Rússia deveria passar primeiramente pela revolução burguesa, com um período relativamente longo e sob a hegemonia da burguesia, Trotsky propunha outra tese.
Para os mencheviques a Rússia agrária deveria seguir o mesmo caminho da Europa Ocidental, restando aos socialistas o papel de meros coadjuvantes na democracia burguesa. Trotsky, ao contrário, argumentava que a especificidade do desenvolvimento russo proporcionava a possibilidade de uma revolução sob a liderança do proletariado. Assim, a revolução seria contínua, permanente, passando logo da fase burguesa para a construção do socialismo.
De acordo com sua tese, ao capitalismo russo, financiado pela autocracia czarista, não correspondia uma burguesia revolucionária, longe disso. Por outro lado, o caráter extremamente concentrado da indústria nacional teria forjado um proletariado revolucionário, também concentrado nos grandes centros urbanos. Assim, de acordo com Trotsky a revolução na Russia não só poderia como deveria dar um “salto” sob a fase burguesa. O tempo mostrou a validade de seus argumentos.
As atuais “revoluções”, ou revolução (posto que mostram ter alguma unidade, no mínimo) no “Oriente Médio[1]”, aparentemente apontam para a idéia de que aqueles países buscam tão somente entrarem nas trilhas do desenvolvimento capitalista sob a forma da democracia burguesa.
No Egito, porém, apesar da saída do presidente Hosni Mubarak, as massas não abandonaram “a praça”, mostrando claramente sua insatisfação com algumas reformas superficiais. Essa democracia faria “alto” em sua vertente burguesa? Se a resposta for sim, quais as conseqüências disso? Essas são perguntas nada desprezíveis.
Na Líbia, mesmo a multiplicidade de lideranças tribais aparecem em unidade frente à contestação ao regime autoritário do fossilizado Khadafi. No Irã a insatisfação não é menor, mesmo que por enquanto contida pela repressão governamental. Iêmen, Arábia Saudita...A revolução bate a porta.
O processo ainda está no inícío e existe a possibilidade de ser contido tanto pela repressão como por algumas reformas eleitoras. Porém, as revoluções seguem menos as projeções dos analistas políticos e mais as possibilidades inerentes ao desenvolvimento econômico e social. Uma revolução liberta poderosas forças que antes pareciam adormecidas ou mesmo inexistentes. É como uma reação em cadeia por fissão nuclear, uma vez iniciada...
Líbia, Egito Irã, Arábia Saudita, enfim, o que aqui chamamos de Oriente Médio, são países caracterizados por economias extremamente dependentes do petróleo e com um proletariado relativamente especializado. Contam também, esses países, com importantes concentrações urbanas. A insatisfação com os regimes autoritários é agravada, ou mesmo despertada, pela péssima divisão da renda do petróleo.
Nesse sentido, a insatisfação com a falta de liberdade política pode ser apenas a ponta do iceberg. As contradições sociais parecem profundas demais e talvez não se resolvam com doses homeopáticas de liberdade política. Assim, estaria o “Oriente Médio” condenado a seguir o caminho das democracias ocidentais? A revolução política será inexoravelmente contida na democracia burguesa? Ou ao contrário, o desenvolvimento econômico e social dessa região pode abrir a possibilidade para uma nova e mais profunda forma de democracia, a democracia social?
Uma lição aprendemos com a História: as revoluções são eventos “abertos”, que tornam inevitável o que antes parecia impossível.
Saymon de Oliveira Justo   


[1] O conceito “Oriente Médio” utilizado aqui não é um conceito geográfico, como fica evidente. Sob esse termo refiro-me aos países tanto da Península Arábica como aos do norte da África. O que justifica tal generalização são algumas importantes semelhanças, como por exemplo, o fato de sustentarem suas economias com a exploração do petróleo e seus derivados; a péssima distribuição da renda desse recurso natural; governos autoritários e no plano cultural o islamismo.

Um comentário:

  1. Realmente uma análise muito bem focada e exposta. Marxista em seus pressupostos subjacentes, mas de brilho particular. Entretanto, prova-se mais uma vez que a história não segue leis, já que até pouco tempo parecia improvável que as ditaduras árabes sofreriam tal abalo sísmico/social, com as mais fortemente estabelecidas caindo.Mas a visão a distância, e sobre objetos complexíssimos como as sociedades contemporâneas, sempre sofre hiper ou hipotrofias. Muito bom comentário.

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