quinta-feira, 28 de abril de 2011

Brevíssimas considerações acerca do Neoconstitucionalismo

Como a maioria de nossos leitores deve saber, o meu ramo de estudos é distinto da pedagogia (tão comum entre vários integrantes aqui do banquinho), mas o Direito também pode e deve ser discutido aqui, principalmente por sua vertente filosófica.
Sendo assim, resolvi escrever agora sobre um tema jusfilosófico que muito me agrada e também suscita discussões interessantíssimas acerca dos novos rumos dados à ciência jurídica atual: o neoconstitucionalismo e suas consequências.
De maneira alguma pretendo esgotar o tema. Meu intuito neste humilde artigo é tão somente trazer à baila alguns pontos nevrálgicos para futuras e profícuas discussões.
Desta feita, a priori, faz-se necessária explicação sobre o uso da expressão neoconstitucionalismo.
Pelo prefixo neo podemos inferir algo novo, nova geração, nova concepção de um dado conceito.
Assim sendo, se procuramos entender o neoconstitucionalismo, primeiro devemos compreender algumas linhas gerais de seu movimento predecessor, o constitucionalismo.
Para Canotilho[1], o constitucionalismo moderno é visto como uma técnica de limitação do poder governamental com fins garantísticos.
Através deste pensamento, a Constituição de um dado país passa a ser instrumento que impede os governantes de fazer prevalecer seus interesses na condução do Estado. É, em sua essência, um movimento político-social que visa limitar o poder arbitrário daqueles detentores do poder.
Dois marcos históricos ilustram a entrada da política governamental na seara constitucionalista: a Constituição norte-americana de 1787 e a francesa de 1791, a qual teve como preâmbulo a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.
No que tange à contemporaneidade, podemos dizer que o constitucionalismo se materializa nas assim chamadas “Constituições dirigentes”, ou seja, Cartas Políticas onde se lançam profundos e grandiosos ideais a serem um dia alcançados.
André Ramos Tavares afirma que tal “dirigismo” tende a evoluir para um “dirigismo comunitário”, o qual busca difundir a ideia de proteção aos direitos humanos e de propagação para todas as nações.[2]
Contudo, como podemos atestar, a ideia de tão somente haver planos de ação, os quais serão concretizados sabe-se lá em que futuro hipotético não consegue responder os anseios que o mundo contemporâneo necessita.
Destarte, a concepção de um Estado guiado tão somente por normas de natureza programática abre margem para que o governante se esconda atrás da reserva do possível, alegando que a mitigação dos objetivos constitucionais doravante expostos na CF não foram concretizados por questões alheias a sua vontade de governante, algo flagrantemente lascivo e desleal com o povo, único e verdadeiro detentor do poder constitucional.
Dessa forma, a doutrina passa a desenvolver, já no século XXI, uma nova e revolucionária forma de constitucionalismo, denominada neoconstitucionalismo, ou constitucionalismo pós-moderno, ou, ainda, pós-positivismo.
Por esta nova perspectiva, busca-se não mais meramente atrelar o constitucionalismo à ideia de limitação do poder político, mas, e principalmente, busca-se uma verdadeira efetivação das disposições expostas em determinada Constituição. O texto constitucional deixa gradativamente seu caráter retórico e distante das necessidades urgentes do povo e conquista seu sentido na medida que denota uma material efetividade dos direitos sociais.
Trata-se assim da concretização do Estado Democrático Social de Direito.
Como ressaltado acima, o neoconstitucionalismo denota uma era pós-positivista, tendo em vista ela não mais responder aos anseios e dilemas de uma sociedade já lapidada por experiências tristes e angustiantes como as duas grandes guerras mundiais.
Na primeira metade do século XX, o positivismo jurídico permitiu uma série de atos desumanos, tão somente porque o Ordenamento Jurídico era visto pelo olhar racional e frio de um mero sistema científico onde leis só podiam ser concebidas como válidas ou inválidas.
Não havia, nesta época, a adição do paradigma axiológico à aplicação da Lei. O que havia era a fria e crua subsunção do fato à norma. Era como se os juristas positivistas tivessem o condão de espremer o fato, o real, o concreto, fazendo-o moldar-se aos limites de uma determinada lei. Esta lei, por sua vez, ganhava status de legítima tão somente porque era considerada válida perante um sistema jurídico concebido puramente de forma racional e científica, o qual excluía os mais variados escopos da sociedade humana.
Para o positivista, o Direito era, portanto, igual à soma do fato e da norma a ele aplicado.
Já para o Direito contemporâneo, nas lições de Miguel Reale, só é possível sua compreensão como sendo a somatória de três elementos: fato, valor e norma (teoria tridimensional do Direito).
A adição do elemento axiológico, tendo em vista inúmeras razões sociais e filosóficas (razões estas que não menciono por motivos de espaço), permitiu ao direito evoluir de forma mais humanística, pois foge de uma mera deontologia para mergulhar agora na axiologia.
O movimento neoconstitucionalista prima por este objetivo. A efetividade das garantias preservadas no seio da Constituição de um Estado devem, sobremaneira, servir ao gênero humano, e não fazer dele refém de um sistema obscuro e enigmático, portador de estranhas concepções sistêmicas quase kafkianas, das quais o povo não pode e não quer participar.
O neoconstitucionalismo busca transcender a mera legalidade escrita através de uma leitura moral e axiológica do Direito.
Por este prisma, todos os ramos atuais do Direito, sejam o Direito Civil, Direito Penal, Direito Processual etc., devem ser lidos e aplicados sob a luz dos princípios maiores esculpidos no seio de nossa Lei Maior.
E o maior de todos os valores, aquele que inspirou todos os princípios que hoje imperam aqui no Brasil através da Carta de 88 é o princípio da dignidade humana.
Assim, temos hoje, na vanguarda do pensamento jurídico, não mais o Direito Civil, mas sim o Direito Civil constitucional. Não temos mais o Direito Processual, mas sim o Direito Processual constitucional, etc., demonstrando que toda hermenêutica que deve orientar a aplicação das normas jurídicas não pode se coadunar com qualquer situação capaz de mitigar a dignidade humana.
Toda aplicação da Lei só é aplicação efetiva se interpretada não apenas por seus próprios requisitos de validade e eficácia, mas sim, e sobretudo, se de fato contribui para a elevação do gênero humano através da concretização de suas aspirações mais profundas e necessárias e tão desmerecidas por seus representantes políticos.


[1] J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, 7ª Ed., p. 51
[2] André Ramos Tavares, Curso de Direito Constitucional, 8ª Ed, p. 38.

Rafael Guerreiro 

5 comentários:

  1. Interessante o tema, bem escrito o texto, não tenho grandes conhecimentos na área, mas vamos lá.
    Se entendi bem, o Constitucionalismo buscava garantir a sociedade das arbitrariedades dos governantes. O neo-constitucionalismo seria um avanço em relação aquele, pois busca interpretar a lei não por elas mesmas, mas de acordo com as necessidades concretas da sociedade. Mais que o “direito”, busca garantir a efetivação “desse direito”.
    Bem, mas em que medida isso interfere realmente na vida das pessoas? Não estou dizendo que não interfira, apenas questionando em que medida. Em que profundidade uma nova forma de conceber e aplicar o “direito” impacta na sociedade, por si só?
    Sendo o Estado uma expressão da correlação das forças sociais, dos conflitos, ou em termos marxistas, a superestrutura que garante o domínio de uma classe sobre as outras, as leis e sua aplicação, consequentemente, teriam as feições desse Estado.
    Do estado, como lócus do domínio de classe, emanam leis que, em última instância, garantem esse domínio.
    Entendendo dessa forma, esse neo-constitucionalismo seria o fruto do fortalecimento político de grupos sociais menos favorecidos. Os conflitos se refletindo na superestrutura.
    Por si só esse neo constitucionalismo não teria um alcance muito limitado e não constituiria, de certa forma, uma espécie de válvula de escape do Estado para os conflitos sociais?
    A propriedade privada de enormes extensões de terra, a família burguesa fundada no direito á herança, a legislação trabalhista...São todas expressões jurídicas do Estado burguês, garantidas pelas Forças Armadas e pelos mecanismos ideológicos (escola, imprensa, religião...).
    Dessa forma, qualquer mudança realmente substancial só pode acontecer de “baixo” para “cima”, da estrutura, para superestrutura. Claro que essa relação não é mecânica, mas sim dialética, ou seja, de certa forma a superestrutura interfere na estrutura.
    Enfim, não acredito que o aperfeiçoamento da interpretação e aplicação do direito tire nossa sociedade do caminho de auto-destruição que ela trilha galhardamente.

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  2. Mas...Confesso que já estou com saudade das "futilidades" do banquinho. Ainda mais com esse tempo de chuva, como colunista social do banquinho, estou sedento de notícias da capivarada

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  3. Esse último comentário não é meu e está assinado como se fosse. Por favor, quem postou assine.
    Saimov

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  4. Aliás, quem postou não leu mais que a primeira linha, pois estou discordando do Rafinha.
    Saimov

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