domingo, 1 de maio de 2011

O CASAMENTO SEMIÓTICO

A semana passada foi marcada por um evento de proporções mundiais: o casamento real entre o Príncipe William e a Princesa Kate, da Inglaterra.
A família real britânica mantém-se assim coesa e unida em torno da tradição e da certeza de uma descendência que perpetuará a linhagem real.
Mas a grande vedete do casamento não é a cerimônia em si, tão pouco o que ela representa, como rito legitimador das relações sexuais entre marido e mulher e garantidor da validade eclesiástica da união sagrada do matrimônio.
O grande símbolo que tangencia sutilmente todas as rebuscadas e pomposas circunstâncias daquela cerimônia de 12 milhões de libras não é nenhuma pessoa, nenhum cônjuge, nenhum padre anglicano ou chefe de Estado ou de Governo, mas sim o vestido de noiva usado pela Princesa Kate.
O tal vestido é mais que um mero vestido. Trata-se de um símbolo de importância ímpar na vida das mulheres. Há quem diga que elas gostariam de repetir seu casamento todos os anos apenas para usar novamente seus vestidos de noiva.
Mas, afinal, o que ele representa? Por que é tão importante o vestido de noiva para o universo feminino?
Michel Foucault em seu História da Sexualidade: a vontade de saber, vol. 1, fala sobre dois paradigmas sexuais do gênero humano: a virilidade e força, dadas ao gênero masculino, e a pureza e virtude, guardadas pelo gênero feminino.
Tudo o que os homens buscam no sexo oposto é nada mais do que esta pureza transmutada em um sem número de variações recatadas que a mulher deve aprender desde muito jovem, para só então adentrar ao universo mirabolante da sedução.
O vestido de noiva é a peça que faltava, dada como prêmio à mulher que honrou suas obrigações femininas e guardou a integridade de seu corpo para a tão sonhada e esperada entrega nupcial.
Nesse sentido, o vestido de noiva é elemento certificador da pureza feminina, daí o uso esmagadoramente preferido da cor branca, símbolo natural de tudo aquilo que é elevado, puro e espiritual.
Contudo, dizer que o vestido denota tão somente essa perspectiva sexual é muito pouco para tentar explicar o tão complexo sistema de pensamento do universo feminino.
Não poucas vezes, fui surpreendido quando algumas garotas me disseram que o real motivo delas se maquiarem, mudar o corte de cabelo ou lançarem-se dentro das apertadas medidas de vestidos e calças sensuais não era propriamente para atrair a atenção dos homens, mas sim das próprias mulheres. Isso se dá, segundo elas mesmas, pelo fato de os homens não darem a menor importância para o novo corte de cabelo ou para a roupa diferente. O universo masculino se prende a outros atributos, mais diretos e racionais, sem tantos devaneios como aqueles pretendidos pelas mulheres.
Daí, então, as mulheres desejarem se mostrar não para os homens, mas para elas mesmas. Trata-se aí da mais alta expressão caracterizadora da vaidade feminina, tão intrínseca aos seus olhares multifocais.
Lançando mão dessa circunstância expressa pelas próprias mulheres é que digo ser o vestido de noiva também um símbolo servindo ao propósito de aviso da noiva para as demais representantes do sexo feminino ali presentes.
Naquele momento suntuoso do casamento, a noiva e seu vestido formam um par mais importante que os cônjuges tomados propriamente. Naquele momento, a simbiose entre mulher e vestido remete todas as demais mulheres ali presentes a um degrau mais abaixo da noiva. É o momento máximo do desejo narcísico feminino, por onde a mulher acredita ter chegado ao ápice de sua beleza, devendo ser coroada pelos olhares invejosos e vaidosos das demais.  
O vestido não teria razão de ser se não pudesse ser visto pelos demais, daí a razão da noiva caminhar pelas naves da igreja até chegar ao noivo que a espera no altar.
Neste trajeto guiado à força do combustível da vaidade, todos os olhares se voltam para aquela que deveria ser a mais bela e elegante, a única, superior e cândida noiva, alvo dos comentários e da inveja das demais.
Os homens, como se é de esperar costumam desprezar o vestido propriamente dito, remetendo seus olhares de forma direta e sem devaneios a um possível decote ou às curvas femininas em evidência.
Mas as mulheres criam em suas psiquês inúmeras variantes de desejo. Desde a vontade explícita de diminuírem a beleza da noiva por mera inveja e ressentimento até a declarada vontade de tomar o seu lugar até iludirem-se, percorrendo o caminho nupcial como se noiva fossem até atingirem o tão sonhado e aclamado lugar do coroamento por sua beleza legitimamente reconhecida.
Assim, o casamento real fez tanto sucesso porque denota o sonho de grande parte das mulheres. É a simbologia perfeita, porque estão diante daquela que se tornou princesa. O vestido da noiva serve, neste casamento em especial, ao propósito de coroá-la para toda a eternidade como princesa e não apenas por uma noite.
Dessa forma, os olhares femininos pelo mundo todo se voltaram para a Inglaterra nesta semana, buscando medir cada palmo e cada costura daquele vestido de noiva tão especial, como se medissem na verdade a intensidade com que viveriam aquele momento no lugar da Princesa Kate, pois cada uma sabe o quanto seria melhor princesa do que ela.  

Rafael Guerreiro

5 comentários:

  1. Nossa!!!Não sei nem por onde começar. Descordo desde a primeira a última letra.
    Essa princesa provavelmente "já deu mais que chuchu na cerca". O casamento, o vestido e toda aquela pompa financiada, em última instância, com o suor de quem trabalha, a nada mais serve que impresionar o imaginário popular no sentido de manter o status quo. Faz parte do aparelho ideológico do Estado inglês e serve como "falso mecanismo identitário". É preciso criar "esses contos de fada" para manter os trabalhaores financiando as pompas.
    Quanto á essa "exaltação de pureza", não vejo como algo inerente ao sexo feminino. Durante a maior parte da existência humana não há indícios disso. Nenhum pesquisador cogitou sobre o "uso do branco" entre os homens da caverna. Aliás, a idéia da tal pureza nem existia.
    Essa idéia da mulher "casta", "pura", longe der ser natural, é histórica e assim como apareceu, tende a desaparecer. É um produto de sociedades patriarcais.
    Hoje mesmo, em boa parte dos grandes centros urbanos, essa idéia de pureza não impressiona mais parte do imaginário feminino. O que a mulher quer é estar em pé de igauldade com os homens. Mesmos salários, possibilidades...E realizar-se com os prazeres do sexo. Nada de errado, nada de impuro.

    ResponderExcluir
  2. Teria a "vagina real" atributos desconhecidos das plebéia pererecas?

    ResponderExcluir
  3. Saymon, acho q vc não me entendeu...Eu apenas comentei sobre um símbolo, que é o vestido.
    Eu, em momento algum, disse que as coisas funcionam assim, mas tão somente falei sobre o que as coisas representam...
    O meu texto é baseado na ideia de semiologia de Roland Barthes, e serve ao propósito de tentar demonstrar como a mídia constroi símbolos.
    Eu até concordo em parte com o seu marxismo, mas não acho q ele possa explicar tudo...é preciso interpretar as coisas de forma mais livre...
    Hugs

    Rafael

    ResponderExcluir
  4. Amigo Rafinha, concordo com você que o marxismo não explica tudo, longe disso. Aliás, mesmo com todos recursos científicos que dispomos, ainda estamos na "infância" em relação ao que podemos entender do mundo.
    Acho que o marxismo "desmistifica" idéias como "povo", "nação", "certo", errado"...Enfim, é bastante "aparelhado" para entendermos discurso, símbolos, tradições...
    Mas o homem não é apenas um "Ser Social" e nesse sentido, a biologia, psicologia...podem iluminar muitos aspectos não colocados em foco pelo marxismo.
    Enfim...Entendi seu texto, mas todo esse discurso é pra dizer que não resisti a fazer uma piadinha com a "vagina real".
    Mas esse tema da construção de símbolos é bastante interessante e já que é de seu interesse, acho que o blog teria muito a ganhar se postasse um texto específico nesse sentido. Acho legal discussões partindo de questões do dia-dia.
    Mas que tô com uma p...curiosidade a respeito da "vagina real" estou. Seria a "real menstruação" azul?
    Brincadeiras a parte...abraço

    ResponderExcluir
  5. Por três anos eu vivi cercada por essa mentalidade feminina de contos de fadas, e posso dizer que mesmo que o texto não signifique o pensamento de todas as mulheres do mundo, pelo menos faz parte da "realidade" de boa parte delas, e isso não se pode negar. Muito verdadeiro o que você escreveu, Raphael. E, apesar do cenário e da simbologia terem sido criados pela sociedade, não deixa de ter relação com a natureza das mulheres. Fêmeas são fêmeas.

    ResponderExcluir