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A família real britânica mantém-se assim coesa e unida em torno da tradição e da certeza de uma descendência que perpetuará a linhagem real.
Mas a grande vedete do casamento não é a cerimônia em si, tão pouco o que ela representa, como rito legitimador das relações sexuais entre marido e mulher e garantidor da validade eclesiástica da união sagrada do matrimônio.
O grande símbolo que tangencia sutilmente todas as rebuscadas e pomposas circunstâncias daquela cerimônia de 12 milhões de libras não é nenhuma pessoa, nenhum cônjuge, nenhum padre anglicano ou chefe de Estado ou de Governo, mas sim o vestido de noiva usado pela Princesa Kate.
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Mas, afinal, o que ele representa? Por que é tão importante o vestido de noiva para o universo feminino?
Michel Foucault em seu História da Sexualidade: a vontade de saber, vol. 1, fala sobre dois paradigmas sexuais do gênero humano: a virilidade e força, dadas ao gênero masculino, e a pureza e virtude, guardadas pelo gênero feminino.
Tudo o que os homens buscam no sexo oposto é nada mais do que esta pureza transmutada em um sem número de variações recatadas que a mulher deve aprender desde muito jovem, para só então adentrar ao universo mirabolante da sedução.
O vestido de noiva é a peça que faltava, dada como prêmio à mulher que honrou suas obrigações femininas e guardou a integridade de seu corpo para a tão sonhada e esperada entrega nupcial.
Nesse sentido, o vestido de noiva é elemento certificador da pureza feminina, daí o uso esmagadoramente preferido da cor branca, símbolo natural de tudo aquilo que é elevado, puro e espiritual.
Contudo, dizer que o vestido denota tão somente essa perspectiva sexual é muito pouco para tentar explicar o tão complexo sistema de pensamento do universo feminino.
Não poucas vezes, fui surpreendido quando algumas garotas me disseram que o real motivo delas se maquiarem, mudar o corte de cabelo ou lançarem-se dentro das apertadas medidas de vestidos e calças sensuais não era propriamente para atrair a atenção dos homens, mas sim das próprias mulheres. Isso se dá, segundo elas mesmas, pelo fato de os homens não darem a menor importância para o novo corte de cabelo ou para a roupa diferente. O universo masculino se prende a outros atributos, mais diretos e racionais, sem tantos devaneios como aqueles pretendidos pelas mulheres.
Daí, então, as mulheres desejarem se mostrar não para os homens, mas para elas mesmas. Trata-se aí da mais alta expressão caracterizadora da vaidade feminina, tão intrínseca aos seus olhares multifocais.
Lançando mão dessa circunstância expressa pelas próprias mulheres é que digo ser o vestido de noiva também um símbolo servindo ao propósito de aviso da noiva para as demais representantes do sexo feminino ali presentes.
Naquele momento suntuoso do casamento, a noiva e seu vestido formam um par mais importante que os cônjuges tomados propriamente. Naquele momento, a simbiose entre mulher e vestido remete todas as demais mulheres ali presentes a um degrau mais abaixo da noiva. É o momento máximo do desejo narcísico feminino, por onde a mulher acredita ter chegado ao ápice de sua beleza, devendo ser coroada pelos olhares invejosos e vaidosos das demais.
O vestido não teria razão de ser se não pudesse ser visto pelos demais, daí a razão da noiva caminhar pelas naves da igreja até chegar ao noivo que a espera no altar.
Neste trajeto guiado à força do combustível da vaidade, todos os olhares se voltam para aquela que deveria ser a mais bela e elegante, a única, superior e cândida noiva, alvo dos comentários e da inveja das demais.
Os homens, como se é de esperar costumam desprezar o vestido propriamente dito, remetendo seus olhares de forma direta e sem devaneios a um possível decote ou às curvas femininas em evidência.
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Assim, o casamento real fez tanto sucesso porque denota o sonho de grande parte das mulheres. É a simbologia perfeita, porque estão diante daquela que se tornou princesa. O vestido da noiva serve, neste casamento em especial, ao propósito de coroá-la para toda a eternidade como princesa e não apenas por uma noite.
Dessa forma, os olhares femininos pelo mundo todo se voltaram para a Inglaterra nesta semana, buscando medir cada palmo e cada costura daquele vestido de noiva tão especial, como se medissem na verdade a intensidade com que viveriam aquele momento no lugar da Princesa Kate, pois cada uma sabe o quanto seria melhor princesa do que ela.
Rafael Guerreiro
Nossa!!!Não sei nem por onde começar. Descordo desde a primeira a última letra.
ResponderExcluirEssa princesa provavelmente "já deu mais que chuchu na cerca". O casamento, o vestido e toda aquela pompa financiada, em última instância, com o suor de quem trabalha, a nada mais serve que impresionar o imaginário popular no sentido de manter o status quo. Faz parte do aparelho ideológico do Estado inglês e serve como "falso mecanismo identitário". É preciso criar "esses contos de fada" para manter os trabalhaores financiando as pompas.
Quanto á essa "exaltação de pureza", não vejo como algo inerente ao sexo feminino. Durante a maior parte da existência humana não há indícios disso. Nenhum pesquisador cogitou sobre o "uso do branco" entre os homens da caverna. Aliás, a idéia da tal pureza nem existia.
Essa idéia da mulher "casta", "pura", longe der ser natural, é histórica e assim como apareceu, tende a desaparecer. É um produto de sociedades patriarcais.
Hoje mesmo, em boa parte dos grandes centros urbanos, essa idéia de pureza não impressiona mais parte do imaginário feminino. O que a mulher quer é estar em pé de igauldade com os homens. Mesmos salários, possibilidades...E realizar-se com os prazeres do sexo. Nada de errado, nada de impuro.
Teria a "vagina real" atributos desconhecidos das plebéia pererecas?
ResponderExcluirSaymon, acho q vc não me entendeu...Eu apenas comentei sobre um símbolo, que é o vestido.
ResponderExcluirEu, em momento algum, disse que as coisas funcionam assim, mas tão somente falei sobre o que as coisas representam...
O meu texto é baseado na ideia de semiologia de Roland Barthes, e serve ao propósito de tentar demonstrar como a mídia constroi símbolos.
Eu até concordo em parte com o seu marxismo, mas não acho q ele possa explicar tudo...é preciso interpretar as coisas de forma mais livre...
Hugs
Rafael
Amigo Rafinha, concordo com você que o marxismo não explica tudo, longe disso. Aliás, mesmo com todos recursos científicos que dispomos, ainda estamos na "infância" em relação ao que podemos entender do mundo.
ResponderExcluirAcho que o marxismo "desmistifica" idéias como "povo", "nação", "certo", errado"...Enfim, é bastante "aparelhado" para entendermos discurso, símbolos, tradições...
Mas o homem não é apenas um "Ser Social" e nesse sentido, a biologia, psicologia...podem iluminar muitos aspectos não colocados em foco pelo marxismo.
Enfim...Entendi seu texto, mas todo esse discurso é pra dizer que não resisti a fazer uma piadinha com a "vagina real".
Mas esse tema da construção de símbolos é bastante interessante e já que é de seu interesse, acho que o blog teria muito a ganhar se postasse um texto específico nesse sentido. Acho legal discussões partindo de questões do dia-dia.
Mas que tô com uma p...curiosidade a respeito da "vagina real" estou. Seria a "real menstruação" azul?
Brincadeiras a parte...abraço
Por três anos eu vivi cercada por essa mentalidade feminina de contos de fadas, e posso dizer que mesmo que o texto não signifique o pensamento de todas as mulheres do mundo, pelo menos faz parte da "realidade" de boa parte delas, e isso não se pode negar. Muito verdadeiro o que você escreveu, Raphael. E, apesar do cenário e da simbologia terem sido criados pela sociedade, não deixa de ter relação com a natureza das mulheres. Fêmeas são fêmeas.
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