segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Poema em desventura. Inspirado na postagem de Saimov.

Um sub-poeta convencido em delírio de que era profeta, iniciou desértica peregrinação em busca de sua intima redenção. Procurou por segredos, chaves, oráculos e desígnios, tudo obviamente em vão.
Vagando sem destino e desprezando qualquer atenção, evitou todos os riscos da midiática e globalizada exposição; preferindo as veredas estreitas com os pés descalços no chão.
Passou a escrever contra as formas de opressão, encontrando na sociologia o significado de sua própria e mísera exclusão. A ciência pareceu-lhe a panacéia derradeira, pois estava sem eira nem beira.
Já bêbado de sobriedade estatística e farto de insaciável fome numérica, viu-se ofuscado pela negra luz do esclarecimento súbito, caindo como Saulo em Damasco do cavalo de Tarso. Interrogado sobre a "quem" perseguia, respondeu que na verdade misteriosamente não sabia.
Ladeando a beira do precipício sem fundo escorregou e caiu. Misturando-se na queda ao negrume do abismo, despertou desfigurado em um insólito submundo, onde reinava o “Sutil”.
Isento da ânsia de glamour ou reconhecimento moderno, desfrutou solitário o provento de seu poético lamento. Mas dor lancinante torturava-lhe o entendimento; espinhos envenenados causando-lhe mental adoecimento.
Sem compromisso e sem embaraço, sufocou-se no laço de um delirante abraço, rodopiando espiralado como uma galáxia no espaço.
Soube que um dia todo dejeto volta à tona, em seu mais completo aspecto abjeto, horrorizando o jovem cético e o ancião decrépito.
Soube que todos somos filhos de paixões passadas, de amores consumados, de ciclos atrasados; e que nos pertence na vida apenas a capacidade de respirar, sumir, dormir e sonhar.
Soube que tudo o que existe de verdadeiro valor guarda-se na mente e no coração, e não em cofres de banco, garagens, gavetas ou em baús de um empoeirado porão.
Disseram-lhe então que acreditasse em um estranho, famoso de tanto nestas longitudes se ouvir falar. Contam-se as datas a partir de seu nascimento, tão forte a impressão de seu pacato evangelizar.
Sua angustiosa dúvida e infectas feridas, diziam-lhe, esse estranho milagrosamente iria sanar, pois ao peregrino uma morada celeste e eterna poderia o andarilho lhe preparar.
Mas pediram-lhe para a "realidade" não questionar, “-somente obedeça!”, falavam, e nada do que precisa irá lhe faltar.
Ordenaram que deixasse suas decisões e escolhas nas mãos do estranho ficar, e que se livrasse do pesado fardo de sobre a "vida" e a "realidade" indagar.
Sua mente "tábula rasa" se tornou, e sobre nada do que existia e sentia ele novamente se queixou. Acreditou-se finalmente curado, pois seu sistema nervoso tinham, à força, lhe arrancado. Pouco do que outrora fora um "homem" agora havia sobrado.
Mas restou-lhe um coração dourado. Polido no mais áspero esmeril, batizado no mais ácido acetil. E foi então com os olhos deste órgão que ele viu: sobre sua inocência, armaram-lhe um hediondo e fatal ardil.

6 comentários:

  1. Uma verdadeira "bofetada poética" na face dos "Bolsonaros", "Padres Paulo Ricardo", "Rafinhas Beata Branca" e afins. No melhor estilo "Tozinskyano", essa verdadeira "Ode" à última flor do Lácio é o "Crème de la Crème" da crítica ao pensamento "assombrado pelos demônios", como diria Carl Sagan.

    Saimov

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  2. Ótimo poema, Dúdis, no maior estilo gramatical do Mestre Yoda!
    A diferença entre eu e o seu protagonista é que ele depositou toda sua crença neste estranho que acabou por esmirilar o seu coração a troco da cura de suas chagas e indagações sobre a vida; já eu depositei minha crença em Cristo, que não acabou com minhas dúvidas ou curou minhas feridas, apenas veio aqui sofrer comigo...

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  3. Critica ácida e esperada. Bem lembrado o "Mestre Yoda". Sim, meu estilo, se é que o possuo, é desconcertante, desestruturante e desconstrucionista. Me esforço por temperá-lo com um pouco de cinismo, ironia e com referências diversas. No caso, "coração dourado" é minha homenagem a "Heart of Gold" do LP "Harvest", de Neil Young, um de meus compositores prediletos. Ouça, traduza-a e entenderá a referência se quiser. Agora, quanto ao estilo "Yoda", não vou mudá-lo. Ele é proposital e seu efeito tem alcançado meus modestos objetivos, qual seja, escrever por fora do "mainstream" pequeno-burguês romântico, muito apreciado por aqui. Se tiver de escrever coisinhas bonitas e reconfortantes, prefiro não escrever. Thanks, dúdis.

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  4. Grande Dúdis, o homem do "des"! Brindemos, então, o incômodo e o desconforto. Mas a fé, bem, vamos comê-la...

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  5. É Rafa, você deve sofrer muito mesmo! Que dó!

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  6. É, Anônimo, você deve me conhecer muito mesmo! Que legal!

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