segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Sampa


Nasci no núcleo de uma cosmopolita hiper-aglomeração.
Concreto e metal, asfalto, vidro e tijolo, varanda, lixo e varal.
Cabos, fios e tubulações em quilométricas extensões. Prédios e presídios, manicômios e hospícios. Fábricas e indústrias. Imóveis cheios de lamento e desencanto, provas e expiações, lucros e produções, assédios e extorsões.
Arranjo urbano do caos humano, paisagem de geométricas edificações.






Nasci no olho de um furacão, nas entranhas de um monstro demográfico.
Modernidade sem limite e miséria sem termo, riqueza ostensiva e cultura intensiva.
Hospitais e escolas, catedrais, favelas e restaurantes. Moradas do saber, da arte e do sabor, da fé, da morte e da dor, do tráfico, dos Mutantes e do estupor.




Nasci no ponto zero de uma bandeirante civilização.
Fumaça e poeira, esgoto e vertigem, barulho, náusea e fuligem.
Aparelhos que rugem e hipnotizam, máquinas que gritam e robotizam. Oitocentos metros acima do oceano. Milhões de térmitas num corre-corre insano.
Uma pessoa por metro quadrado, mentes sufocando em franca descerebração.




Nasci no centro de uma colméia em agitada atividade.
Rainha das regras e das leis, da repressão e da tortura.
Princesa do crime e da extorsão, da propina e da usura.
A mafiosa do Terceiro Mundo. A defensora da clandestinidade.
A urbe da fartura e da fome, da liberdade e da censura.







Nasci no coração da teia surreal fiada por operários migrantes.
Na cidade dos corações transplantados, dos cemitérios assombrados; dos carcinomas confirmados, dos políticos processados.
Cidade dos estádios lotados e dos condomínios trancafiados.
Lugar de águas escuras e céu cinza. Terra de esperanças e ambições delirantes.







São Paulo, pai dos rostos pálidos e preocupados, frios e enrugados.
São Paulo granítico e implacável, gigante soberbo, tirânico e aloprado.
São Paulo, pai de todos os que querem ser seus filhos.
São Paulo, locomotiva veloz que ameaça sair dos trilhos.





2 comentários:

  1. Uma espécie de contraponto a declaração de amor feita por Caetano Veloso. Talvez menos poética, mas apenas no sentido tradicional do termo. Provavelmente mais crua, "realísta", desnudando as contradições. O "belo" como fruto do "imperfeito" e não das pálidas idealizações românticas. Gostei muito, a vida pulsando no "caos", que para muitos é ordem.

    Saimov

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  2. Uma análise realmente interessante, apurada, obrigado. Os versos me surgiram durante uma crise de enxaqueca pós-insônia. Alguma coisa naquela poluição toda deve ter se impregnado em minha mente... Mas o que seria a mente? O que polui? O que impregna? Já não estaria “lá” o que surgiu espontaneamente?

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