domingo, 12 de fevereiro de 2012

HOMO SAPIENS

E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança (...). E criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.
Gênesis.



Despertou antes mesmo que os primeiros raios do sol lhe pousassem sobre a face. Na escuridão da caverna as pulgas o atormentavam, porém, não foi por isso que se levantou antes de todos do bando. Seu estomago doía, a sensação do ácido lacerando suas entranhas dizia que era hora. Não avisou ninguém, e mesmo que quisesse não o poderia fazer, pois o dom da fala ainda não lhe pertencia, apenas ao criador, sua imagem e semelhança. Não podia esperar.
Caminhou com desenvoltura pela planície, não porque o luar o favorecia, pois o astro que mais tarde seria motivos de tantas estrofes teimava em se esconder. O bando já vivia ali há um bom tempo, desde que a grande seca o havia levado para aquelas paragens. Conhecia cada pedra, cada galho fora do lugar...cada pormenor daquele arrabalde. Uma hora depois, por nossos modernos relógios ainda desconhecidos naqueles idos, sentiu certo desconforto. Sem o menor movimento de pescoço que indicasse qualquer preocupação em verificar a presença de um observador, e não sendo um voyer a procura de diversão, tão somente se agachou e colocou para fora o que lhe angustiava.
O sol já lhe queimava a rala pelagem e ele continuava caminhando. Pouco depois cerrou os olhos para perceber melhor o que estava em seu caminho. Sem que nenhuma música do Air Supply lhe viesse à mente...Lá estava ela. Com sua pelagem quase imperceptível, os lábios rubros e protuberantes, os mamilos róseos e quase nus, a genitália avermelhada como sangue fresco...Não foi amor a primeira vista, apenas impulso incontrolável. Sem flerte algum, sem rosas e nem vinho...Pegou-a pela cintura, de costas...No começo ela resistiu, debateu-se, mas logo que teve certeza da desproporção de forças e do impulso titânico que tomava sua carne, entregou-se satisfeita ao chamado da natureza. Alguns segundos depois...sua segunda necessidade estava satisfeita. Seguiu caminho.
A cada passo aumentada a dor que lhe rasgava o estômago e logo um barulho despertou sua atenção. Apertou o passo e seguiu na direção indicada aos ouvidos. A saliva inundou-lhe a boca quando viu o aquele animal cambaleando logo à sua frente. O perfume do sangue atiçava ainda mais a fome. Olhou a procura de algo que lhe servisse para a ocasião, mas só encontrou um grande pedaço de pedra. O animal, percebendo o perigo que lhe rondava, e mesmo naquela situação, ainda tentou fugir. O primeiro golpe não o matou, mas o grito agonizante não deixava dúvidas que seu fim estava próximo. O segundo golpe atingiu em cheio a fronte, fazendo com que o sangue esguichasse abundantemente.
Quando agachou para dilacerar a carne sentiu que não estava sozinho. A luta ia ser dura, pois o outro macho era bem mais robusto. Contudo, não sentiu medo. A coragem vinha de milhares de anos de evolução e de três dias e três noites sem alimento. Olhares se cruzaram, gestos, rituais, ameaças...Em alguns segundos os filhos de Deus debatiam-se no chão. O mais robusto conseguiu asfixiar o rival, julgando-o abatido. Levantou-se e foi recolher os despojos da batalha.
O movimento do sol, que ainda não havia matado Galileu, queimou a face do nosso herói, lembrando-o de que ainda estava vivo. Levantou-se vagarosamente, um pouco pela fraqueza e outro tanto por astúcia. Vendo o rival fartando-se sobre o animal morto, serenamente pegou uma rocha de tamanho médio e o golpeou na cabeça. Cambaleou, estremeceu, as babas de sangue saiam pela boca, os olhos pareciam cada vez mais inertes...Continuou golpeando, alucinadamente, até que a cabeça do rival se transformasse em uma massa disforme e arroseada pela mistura do sangue com a massa cerebral. Cansado, conseguiu ainda levar o alimento para debaixo de uma sombra. Saboreou com sofreguidão a carne misturada ao sangue da luta.
A terceira necessidade estava satisfeita. Encostou-se na sombra da árvore e adormeceu tranquilamente o sono dos justos.

Saymon
 
 

Um comentário:

  1. He, he, he... Sujos, brutos, breves e valentes. Homo sapiens.Dúdis.

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