quinta-feira, 28 de junho de 2012

Balada do solitário.

Excita-se com o próprio corpo, deixando que hormônios e enzimas o subjuguem. Esta dominado desde sempre por eles. Suas glândulas funcionam a revelia de sua vontade, na verdade elas controlam suas vontades e desejos. Sua mente e consciência se percebem impotentes perante os imperativos colaterais do processo evolutivo da vida! Algo o impele irresistivelmente ao arcaísmo socialmente aprovado da reprodução e perpetuação da espécie. Ele se insurge contra a natureza das coisas. Mas a natureza é forte demais para ele.
Percebe sua mente como um epifenômeno aleatório do processo evolutivo; uma simples expressão imagética de interações químico/metabólicas a lhe comunicar ordens de movimento, direções de abordagem e comandos de ação. Ocorrendo na intrincada malha de seu córtex cinzento, este epifenômeno, a mente, é o para-brisa transparente de sua vida. Ela o protege dos elementos agressivos exógenos e o alimenta com representações endógenas das "coisas" exteriores. É um dos seus canais de interação. É através dela que se comunica com outras entidades solitárias: transmissor, gerador, receptor e processador. Inebria-se com suas próprias endorfinas, confina-se e concentra-se nas atividades que lhe suprem as necessidades prementes destes polipeptídeos. Diverte-se com os “estados psíquicos” que se sucedem em sua mente sob a influencia delas. Sonhos, idéias, devaneios, concepções e representações efêmeras recheiam seu consciente e inconsciente.
Ri-se de seu desengonço, tropeça seu pé esquerdo no direito, veste suas roupas ao contrário, esquece que deixou seus óculos no armário, assusta-se diante do espelho e de seu cabelo rarefeito e desfeito. Percebe os efeitos do tempo, da gravidade e dos atritos claramente estampados em seu rosto cansado. Não procura "passatempos". Não quer apressá-lo. Sabe que esta entidade abstrata e subjetiva, o tempo, tem grande valor e importância em todos os contextos imagináveis: pano de fundo tanto para a vida do Universo quanto para sua biografia. " - Os cronômetros e relógios são chefes implacáveis", pensa!
As vezes, lamenta-se de suas dores e do desamparo em que ficou. Outras, imagina que nunca mais o deixarão em paz!! Barganha um alívio momentâneo, ora, reza, suplica, medita e nem percebe que o sofrimento espontaneamente o deixou. Ouve vozes pela casa e uma alegre expectativa de companhia o prepara para a conversação. Mas percebe que são apenas ecos de sua própria imaginação, reverberando entre os ângulos de sua caixa craniana em solidão. Então liga aparelhos sonoros que reproduzem e emitem harmonias, melodias, ritmos e compassos que o deleitam e relaxam "for a while". Árias, cadências, solos, cantatas e sonatas. Sinfonias, serenatas, tocatas, fugas e dissonâncias. " - Música! O que seria de mim sem 'ela'?!".
Quer dissipar, encobrir e se afastar de seus próprios odores. Mas admite-os e assume-os como parte do legado genético da espécie. De sua natureza animal herdou fragrâncias almiscaradas, cheiros e feromônios que despertavam, durante a evolução, reações em uma parceira predisposta. Mas de tanto dissimulá-los, modificá-los e alterá-los artificialmente, já não encontra nenhuma resposta delas por meio deles. "- O antigo ritual se tornou uma arte complexíssima, envolvendo hoje muito mais que atração selvagem...", pensa. Seu cheiro hoje é artificial, assim como sua vestimenta, sua rotina, parte de sua refeição e entretenimento, assim como sua própria vida e idealização.
O gosto de sua saliva não lhe sai da boca, e ele não se importa. Ele vibra suavemente com o ritmo de sua bomba cardíaca. Sente sua frequência se alterar conforme os pensamentos, os desejos, os temores, os anseios, as lembranças, as presenças e as imagens. Conforme o esforço e a coragem que se lhe exige. É um escravo deste órgão oco, tradicional sede metafórica da afetividade.
Às vezes se sente sufocar, então corre quilômetros e quilômetros deixando o ar invadir seus pulmões e afagar seu rosto, acreditando ter evitado, mais uma vez por um triz, a asfixia fatal. Agora é a transpiração a dilatar-lhe os poros, deixando sua garganta salgada. É a chegada da sede. Sua próxima meta demonstra todo o prosaísmo de sua existência: encontrar água bebível o mais rápido possível.
" - Aspirar, expirar, aspirar, expirar, aspirar e expirar". Cada um destes movimentos pode ser o último! O quanto é tênue a linha divisória entre a existência e a extinção. Basta deixar de aspirar por alguns minutos, e estará tudo acabado. Mas ele sabe que, se concentrar-se nesta frequência, a respiratória, acabará por alterá-la. “-Deixe-a no vegetativo/automático ou você vai pirar”. Ele se cansa e desgasta no decorrer do dia e perambula desnorteado pela noite. Sabe que mais cedo ou mais tarde adormecerá. Mas não esta certo se despertará após cada sono! Pode morrer dormindo! "- Uau!". Se foi assim com alguns de seus antepassados, poderá ser assim com ele!
Ele vê suas feridas físicas se abrirem e fecharem. Mas outros tipos de ferida, as mentais, não se fecham nunca. Elas consomem-lhe energia vital e disposição. Para estas não há remédio. É necessário lutar contra a propensão que elas têm de levar-lhe ao buraco. São suas fraquezas, assim como o são seus instintos, inclinações, impulsos e tendências. O tratamento mais eficaz contra todas elas é um só: uma luta constante, rigorosa e impiedosa que lentamente exauri o lutador.
Ele oscila e vacila entre a crença na tradição religiosa que lhe parece infundada, e o crédito na teorização de cunho científico, que lhe decepcionou inúmeras vezes, mas que ainda assim é mais “terrena”. Desconfia de ambas, mas não prescinde de nenhuma, por via das dúvidas. Sente-se atormentado diariamente pelas mesmas perguntas e formulações primevas, arcaicas: Ser ou não ser? Ter ou não ter? Fazer ou não fazer? Ir ou ficar? Começar ou terminar? Como foi? Como é? Como será? O que acontecerá? O que seria? Como? Por que? Onde? Quando? Quem? Quanto? Eu?!!

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