Numas de
achar que poderia o prazeroso ao agradável somar, o paulistano resolveu no mar
se aventurar. Atracado no porto de Santos estava um enorme cargueiro, junto a
outras embarcações, que em breve seu compartimento de cargas na China iria
abarrotar, com produtos pirateados, “dumpings” e falsificações.
O gaiato
aventureiro esperou a noite baixar e enquanto a tripulação chinesa se esbaldava
na zona portuária, ele atravessou a ponte de acesso e entre os contêineres foi
se ocultar. Satisfeito ele pensou: “-Quando chegarmos ao Havaí dou um jeito de
cair fora! Vou viver de pernas pro ar...”.
E sentiu que seus dias de motoboy em Sampa eram agora coisa de outrora!
O navio
já estava há dias em alto mar quando um marujo de Shangai avistou o penetra
lazarento. Ele foi pego no convés, ao relento, enquanto vomitava no mar lá de
cima da amurada, todo encardido e fedorento. Seu azar foi que o navio pertencia
a uma facção da “Tríade”, a máfia chinesa, que se autodenominava “Bandana
Suarenta”. A “saga da caveira” teve então início, assim, bem confusa e nojenta.
Os
chineses, “comunistas de mercado”, acharam que o brazuca era um espião norte-americano
disfarçado de “chicano”, sacaram o golpe
que o suposto “yankee” queria aplicar e amarraram o malandro, já em lágrimas,
com correntes e cadeado. A orgia de porradas continuava enquanto o marujo
maoísta atava o brasileiro bicão à uma ancora pesadona da embarcação; não sem
que antes ele sofresse brutalidades ao estilo da sádica máfia do Cantão...
Uma
sardinha curiosa, ainda fora da latinha, viu toda a patifaria, mas nada podia
fazer pelo infeliz intruso brasileiro que tinha entrado numa fria. Além do
mais, já estava calejada de tanta pirataria, coitadinha, e sabia que seu
destino também não era dos melhores: iria terminar sua existência exposta numa
vitrine de peixaria.
Antes que o capitão da nau gritasse em
mandarim um “-Não façam isso seus cornos!!”, lá da torre de comando, o paulista
vacilão já tinha virado isca de peixe marinho e petisco de tubarão. E a mutação
do moço não parou por ai não. Enquanto a ancora baixava nas profundezas da
Fossa das Marianas, a 11 mil metros de profundidade, o molecote ia se
desfigurando e perdendo os caracteres de sua identidade; maior azarão.
A
pressão estrambólica, a fria escuridão e as bizarras criaturas do leito
oceânico também não fizeram bem ao corpo do imaturo jovem da Mooca não... Antes
tivesse, ele pensou: “-(...)se conformado aos rigores de seu mundo continental,
construído nos moldes mentais de uma elite burgo-europeizada e pós-oligárquica
(como dizia seu avô ítalo-anarquista!), a morrer longe de casa, no fundo da
água salgada”.
Alguns
meses mais tarde, seu esqueleto recoberto de cracas foi içado numa rede de
arrastão junto a ostras, enguias, linguados, barracudas, caranguejos e muito
salmão. Num ensanguentado barco pesqueiro japonês, seus restos foram
devidamente separados do que tinha valor comercial ou era saboroso; afinal era
todo o trabalho de um mês e o mar ultimamente não andava muito piscoso.
“-Deve
ter sido um jovem mestiço sul-americano”, declarou o perito forense edokko ao
policial encarregado do caso. “-A causa mortis foi afogamento, mas sofreu
tortura e espancamento antes de borbulhar seu último lamento!”, completou o
assistente de necropsia entediado, já pensando na hora do saquê com a namorada
gueixa. “-Ofereçam-no aos brasileiros, através do consulado”, disse, aproveitando a deixa, um
intrometido nissei emigrado, da limpeza do chão encarregado. “-Digam que pode
ser a ossada de um político perseguido, ou mesmo de um torturador que acabou
como arquivo morto; se eu não me engano, por lá estão oferecendo anistia geral,
tanto pra uns quanto pra outros!”
Diante
das observações perspicazes do 'expert' em Brasil, e da inconclusão adicional,o responsável pelo caso
anuiu. Iriam encaixotar a ossada e remetê-la ao “povo varonil”. O espirito do
coitado suspirou aliviado: "- Pelo menos não vou parar no lixão da
capital..."; o qual, na verdade ficava em outra nação, lugar onde se vende
o quintal, o subsolo e o espaço aéreo por um pouco de ração, como dizia
Raulzito...
A
caveira sorridente voltou voando para o sul do norte-americanizado continente,
e ao sobrevoar os Andes sentiu um 'arrepio na espinha' quando se lembrou da
famosa história do acidente aéreo, quando corpos congelados foram
canibalizados. “-Que triste sina a dos devorados”, pensou, se esquecendo de que
sua própria sorte não tinha sido menos dramática: “-Sou brasileiro nato, nunca
perco o otimismo!”, pensou o espectro-esqueleto num arroubo de ufanismo atrasado. Nosso tupiniquim não logrou êxito em sua psicológica tática...
O humor negro da caveira desnorteada logo se tornou azedo, assim que percebeu a
confusão que os orientais fizeram mais cedo. Na hora de embarcar o esquife improvisado em caixa de papelão, colocaram a 'Republica Argentina' como
destinatária do tumbão. Os japoneses, na correria pós- tsunami, confundiram a
ditadura que poderia ter feito o “serviço”, e desovaram a ossada na terra de
Gardel e Galtieri! Uma prova de que no mundo inteiro existe trapalhada e
embromação, até mesmo no Japão...
Pousaram
então com a carcaça e sua alma penada nas margens do Rio da Prata. Buenos Aires estava em festa! A energia imaterial logo sacou: "-Víxêêê..., isso não presta...!". Foda, ela chegou bem na hora em que rolava, entre as respectivas seleções do Brasil e Argentina, uma daquelas partidas de futebol que todo brasileira detestava; 3X0 pros "hermanos"... O fantasma da caveira amaldiçoou o Brasil, o
mar, a sardinha, os estrangeiros e a China.
Logo depois, num hangar do aeroporto
portenho, a caveira desencaixotada sorria desdentada e mau-humorada para os gringos doidões,
pensando desconsolada com seus botões: "- Eu mereço...; que sorte de merda eu tenho...”.
Dúdis.
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