quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A saga da caveira.


A saga da caveira.
   Numas de achar que poderia o prazeroso ao agradável somar, o paulistano resolveu no mar se aventurar. Atracado no porto de Santos estava um enorme cargueiro, junto a outras embarcações, que em breve seu compartimento de cargas na China iria abarrotar, com produtos pirateados, “dumpings” e falsificações.
   O gaiato aventureiro esperou a noite baixar e enquanto a tripulação chinesa se esbaldava na zona portuária, ele atravessou a ponte de acesso e entre os contêineres foi se ocultar. Satisfeito ele pensou: “-Quando chegarmos ao Havaí dou um jeito de cair fora! Vou viver de pernas pro ar...”.  E sentiu que seus dias de motoboy em Sampa eram agora coisa de outrora!
   O navio já estava há dias em alto mar quando um marujo de Shangai avistou o penetra lazarento. Ele foi pego no convés, ao relento, enquanto vomitava no mar lá de cima da amurada, todo encardido e fedorento. Seu azar foi que o navio pertencia a uma facção da “Tríade”, a máfia chinesa, que se autodenominava “Bandana Suarenta”. A “saga da caveira” teve então início, assim, bem confusa e nojenta.
   Os chineses, “comunistas de mercado”, acharam que o brazuca era um espião norte-americano disfarçado  de “chicano”, sacaram o golpe que o suposto “yankee” queria aplicar e amarraram o malandro, já em lágrimas, com correntes e cadeado. A orgia de porradas continuava enquanto o marujo maoísta atava o brasileiro bicão à uma ancora pesadona da embarcação; não sem que antes ele sofresse brutalidades ao estilo da sádica máfia do Cantão... 
   Uma sardinha curiosa, ainda fora da latinha, viu toda a patifaria, mas nada podia fazer pelo infeliz intruso brasileiro que tinha entrado numa fria. Além do mais, já estava calejada de tanta pirataria, coitadinha, e sabia que seu destino também não era dos melhores: iria terminar sua existência exposta numa vitrine de peixaria.
   Antes que o capitão da nau gritasse em mandarim um “-Não façam isso seus cornos!!”, lá da torre de comando, o paulista vacilão já tinha virado isca de peixe marinho e petisco de tubarão. E a mutação do moço não parou por ai não. Enquanto a ancora baixava nas profundezas da Fossa das Marianas, a 11 mil metros de profundidade, o molecote ia se desfigurando e perdendo os caracteres de sua identidade; maior azarão.
   A pressão estrambólica, a fria escuridão e as bizarras criaturas do leito oceânico também não fizeram bem ao corpo do imaturo jovem da Mooca não... Antes tivesse, ele pensou: “-(...)se conformado aos rigores de seu mundo continental, construído nos moldes mentais de uma elite burgo-europeizada e pós-oligárquica (como dizia seu avô ítalo-anarquista!), a morrer longe de casa, no fundo da água salgada”.
   Alguns meses mais tarde, seu esqueleto recoberto de cracas foi içado numa rede de arrastão junto a ostras, enguias, linguados, barracudas, caranguejos e muito salmão. Num ensanguentado barco pesqueiro japonês, seus restos foram devidamente separados do que tinha valor comercial ou era saboroso; afinal era todo o trabalho de um mês e o mar ultimamente não andava muito piscoso.
   Aquele mirrado e deformado crânio, e alguns ossos podres, pouco interesse despertaram nos asiáticos marítimos, povo que já sentiu na pele o poder nuclear do urânio. Entretanto, o esqueleto foi levado para perícia científica na capital nipônica, para que do “pescado” fosse determinada a “causa mortis”, assim como a provável origem do estranho achado.
“-Deve ter sido um jovem mestiço sul-americano”, declarou o perito forense edokko ao policial encarregado do caso. “-A causa mortis foi afogamento, mas sofreu tortura e espancamento antes de borbulhar seu último lamento!”, completou o assistente de necropsia entediado, já pensando na hora do saquê com a namorada gueixa. “-Ofereçam-no aos brasileiros, através do consulado”, disse, aproveitando a deixa, um intrometido nissei emigrado, da limpeza do chão encarregado. “-Digam que pode ser a ossada de um político perseguido, ou mesmo de um torturador que acabou como arquivo morto; se eu não me engano, por lá estão oferecendo anistia geral, tanto pra uns quanto pra outros!”
   Diante das observações perspicazes do 'expert' em Brasil, e da inconclusão adicional,o responsável pelo caso anuiu. Iriam encaixotar a ossada e remetê-la ao “povo varonil”. O espirito do coitado suspirou aliviado: "- Pelo menos não vou parar no lixão da capital..."; o qual, na verdade ficava em outra nação, lugar onde se vende o quintal, o subsolo e o espaço aéreo por um pouco de ração, como dizia Raulzito...
   A caveira sorridente voltou voando para o sul do norte-americanizado continente, e ao sobrevoar os Andes sentiu um 'arrepio na espinha' quando se lembrou da famosa história do acidente aéreo, quando corpos congelados foram canibalizados. “-Que triste sina a dos devorados”, pensou, se esquecendo de que sua própria sorte não tinha sido menos dramática: “-Sou brasileiro nato, nunca perco o otimismo!”, pensou o espectro-esqueleto num arroubo de ufanismo atrasado. Nosso tupiniquim não logrou êxito em sua psicológica tática...
    O humor negro da caveira desnorteada logo se tornou azedo, assim que percebeu a confusão que os orientais fizeram mais cedo. Na hora de embarcar o esquife improvisado em caixa de papelão, colocaram a 'Republica Argentina' como destinatária do tumbão. Os japoneses, na correria pós- tsunami, confundiram a ditadura que poderia ter feito o “serviço”, e desovaram a ossada na terra de Gardel e Galtieri! Uma prova de que no mundo inteiro existe trapalhada e embromação, até mesmo no Japão...
   Pousaram então com a carcaça e sua alma penada nas margens do Rio da Prata. Buenos Aires estava em festa! A energia imaterial logo sacou: "-Víxêêê..., isso não presta...!". Foda, ela chegou bem na hora em que rolava, entre as respectivas seleções do Brasil e Argentina, uma daquelas partidas de futebol que todo brasileira detestava;  3X0  pros "hermanos"...  O fantasma da caveira amaldiçoou o Brasil, o mar, a sardinha, os estrangeiros e a China.
   Logo depois, num hangar do aeroporto portenho, a caveira desencaixotada sorria desdentada e mau-humorada para os gringos doidões, pensando desconsolada com seus botões: "- Eu mereço...; que sorte de merda eu tenho...”.
Dúdis.









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