quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Rumo ao fim

Caro Saimov
Ao ler seu texto, percebi um ótimo espaço para divagar um pouco pela filosofia do Direito.
O Direito norte-americano possui dois institutos que em muito nos ajudam a compreender o que eu propus nas linhas anteriores.
Tratam-se de duas expressões latinas: malum in se e malum prohibitum.
Atos definidos como malum in se são maus por sua própria essência, não necessitando de qualquer aparato legal para justificar sua repreensão pública e moral, p. ex. estupro ou assassinato. São atos que a própria noção cultural humana entende com naturalidade tratar-se de algo nocivo, pelo menos dentro dos limites culturais em que vivemos.
Atos definidos como malum prohibitum são aqueles entendidos como maus tão somente porque a Lei assim o quis, p. ex. dirigir na contra-mão.
Perceba que o Direito, seja de qualquer país, não se preocupa com as intenções que levam aos atos, mas se preocupa sempre com os atos propriamente ditos, já exteriorizados para o plano concreto. Um bom exemplo disso é que o Direito jamais poderia condenar a intenção silenciosa de alguém que deseja tirar a vida de seu desafeto. Primeiro, a ação ocorre, e depois o Direito avalia quais os contornos do ato.
Dessa forma, no exemplo por mim citado, o ato de dirigir na contra-mão é considerado malum prohibitum porque as leis de trânsito assim o definem, mas o Direito não questionará as intenções que levaram determinada pessoa a cometer tal ato até que de fato o plano concreto seja modificado pela ação ou omissão da pessoa, p. ex. se em decorrência de dirigir na contra-mão ocorresse um acidente com vítimas fatais ou meros danos materiais. Aí sim as intenções do sujeito serão levadas em consideração, mas sempre buscando saber se a natureza do ato é culposa ou dolosa.
Após essa breve introdução, acredito que o ato de abortar é malum in se, pois interrompe a vida ainda no ventre de sua mãe, não permitindo à vítima qualquer voz perante seus algozes covardes.
Acreditando nessa mesma perspectiva, a Constituição de 1988, em seu art. 5º, caput, inicia o que chamamos de “Cláusulas Pétreas”, pois são imutáveis, mesmo se novo Poder Constituinte Originário refizer os contornos da CF vigente.
E no referido artigo, a CF determina que TODOS têm direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Falaremos sobre o que nos cabe, o direito à vida.
O novel Código Civil de 2002, em seu art. 2º, preleciona que: A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Perceba que a personalidade civil, para o Direito Brasileiro, começa com o nascimento com vida. Contudo, como ficou claro, a Lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro, ou seja, do feto.
Pelo exposto, pode parecer uma séria contradição de minha parte ou até mesmo dos políticos afinados com a ideia da descriminalização do aborto proceder a tal alteração nos moldes da legislação vigente, tendo em vista ser clara e lídima a preservação da vida pela Lei desde a sua concepção.
Mas a questão que ora propus transcende os limites da lei. Questiona atos malum in se, fora, portanto, da esfera de proteção abstrata que a Lei proporciona.
Não se trata, portanto de subjugar os direitos do nascituro em favor daqueles afetos à mãe. Não há qualquer desnível hierárquico que consiga justificar diferenças de valores entre os direitos de um ou de outro. São todos direitos, em mesmo patamar de importância para a legislação, porque todos tutelam vidas humanas de forma equânime.
Contudo, quando falamos em aborto, o agente é sempre a gestante. É ela quem toma a fria decisão de interromper a vida nascente em seu ventre. Mesmo praticado sob as permissões legais do art. 128, CP, o aborto continuará a ser ato malum in se, pois não permite ao feto qualquer artifício de defesa. É um ato covarde por excelência, não tenho dúvidas, mas ainda assim é um ato praticado com frequência assustadora, e quem determina se ele acontecerá será a gestante e não o feto. Daí extraio a ideia de o aborto ser sempre entendido, em sede primeira, pelo prisma do corpo da gestante.
Sobre a questão de ser mais positiva uma política de planejamento familiar e conscientização, não tenho dúvidas de que seria bem melhor. Mas estamos falando do plano concreto em que vivemos. Se pensássemos assim, com certeza a melhor solução é a idealizada. Quando eu propus discutir a descriminalização, pensava no material que temos hoje e não em soluções insondáveis por ora. Seria muito melhor votarmos apenas em políticos conscientes de seu papel público e que não jogassem a favor da corrupção, mas não é o que temos. Seria muito melhor que a renda e a terra fossem distribuídas de forma mais justa, mas não é o que temos. Seria muito melhor não precisarmos lidar com questões como a do aborto, mas hoje é algo impossível. Confesso que não entendi muito bem o oitavo parágrafo do seu texto, porque ele não traz uma solução viável para o problema que estamos discutindo.
Sobre quando começa a vida, bem, como bom católico que sou, penso que ela começa com a concepção. E digo isso porque acredito que ali já há movimento, há uma essência que se não for interrompida, chegará ao seu ponto máximo, o indivíduo humano.
Por fim, sobre a questão das relações de trabalho que você tanto se preocupa, tenho a dizer que isso não pode ser vinculado a questão da descriminalização. Trata-se de uma hipótese generalizante, uma conseqüência que não se relaciona diretamente ao problema do aborto. Uma coisa é tratar diretamente do tema em questão, outra coisa são os reflexos do tema em outras questões. Se levarmos a discussão por esse lado, criaremos tantas variantes que nos perderemos sem nos posicionar efetivamente sobre nada.
Bem, é isso.
Acho q podemos propor outro tema, não é?

Rafinha Capa Blanca
19/01/2011

4 comentários:

  1. BOM RAFINHA, CONFESSO QUE NÃO MUDEI DE OPINIÃO, PELO CONTRÁRIO. PORÉM, FIQUEI FELIZ EM APRENDER UM POUCO MAIS A PARTIR DE SUA PERSPECTIVA BASTANTE DIFERENTE DA MINHA.
    RESPEITO E ADMIRO SUA OPINIÃO PELA LUCIDEZ, RACIONALIDADE E EMBASAMENTO. ADMIRO AINDA MAIS POR SER CATÓLICO E NÃO PERDER O ESPÍRITO CRÍTICO. FOI UM PRAZER DIALOGAR COM VOCÊ, SÓ TIVE A GANHAR.
    ACHO TAMBÉM QUE PODERÍAMOS MUDAR DE TEMA, PORÉM, GOSTAIA QUE FIZESSE UM CHAMADO AOS OUTROS COLEGAS NO SENTIDO DE ENTRAREM NO DEBATE E NÃO FICAREM POSTANDO TEXTOS ISOLADAMENTE.
    PROPONHA UM NOVO DEBATE. EU, PARTICULARMENTE GOSTARIA DE DISCUTIR O PAPEL DO INTELECTUAL NA SOCIEDADE BRASILEIRA, OU APROVEITANDO O LINK, A DESCRIMINALIZAÇÃO DAS DROGAS.

    SAIMOV KASPAROV

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  2. Acho que o comentador acima esta mais para Saimov "Caspento".

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  3. Se o tal Rafinha pode ser Capa Blanca, porque eu não posso ser Kasparov? Resta saber o que será do Mauricinho

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  4. Que tal Saimov "Casparento".

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