sábado, 14 de maio de 2011

Reflexões sobre “La muerte”.

Nascemos, e após uma fase de gradativo, crescente e contínuo despertar da consciência para o mundo externo e para a vida, ocorre acidentalmente, por má formação congênita ou por distúrbios fisiológicos críticos, freqüentemente bem antes do esperado 'estatísticamente’, um súbito, brusco e definitivo retorno à condição inconsciente de ser. Desta vez, não uma inconsciência parcial e temporária, como no sono, no desmaio ou no coma, mas uma profunda, irreversível e permanente inconsciência em relação a tudo o que foi contemplado até então. É quase inconcebível tamanho desaproveito por parte da natureza, sempre tão econômica, harmoniosa e cheia de recursos. Compreensível é que o tema seja tabu, que seja polêmico e que gere tanta especulação, afinal, é natural que aqueles que estão cônscios, lúcidos e ativos neguem, evitem e protelem esta circunstância indesejada por quase todos, até que não haja mais nada a ser feito para impedi-la. Pois o que esta em jogo é nada mais que a individualidade, a senciência, a essência de cada um. O universo pessoal de informações, saberes, segredos, conjecturas, noções, verdades, dons, habilidades, interpretações, imagens, sínteses e sonhos...
Chega mesmo a ser irônico o fato de que o processo da vida consista em uma sequência de fases que culmine nesta última, a fase de extinção do ser pensante; às vezes, com acelerada queima de etapas. Mas o que parece certo é que de todos os dados e informações contidas nas redes neurais do indivíduo 'deceased', apenas uma parte ínfima tenha importância e valor social. A quase totalidade do conhecimento acumulado sobre a vida, na vida que se esvai durante a decomposição da matéria que constituía o ser, tinha valor e uso somente para o próprio ser que iniciou seu processo de deterioração material. Entretanto, a natureza é sábia: nas circunstâncias que se avizinham, este individuo não precisará mais fazer uso de nenhum desses dados, nenhum. E os vivos; os vivos não podem depender dos mortos...
Portanto, a morte fecha um ciclo justo, natural, ainda que seja francamente lamentável em certos casos. E quase não há desperdício, apesar da exuberância da vida se manifestando na suntuosa ostentação de seres altamente complexos, desenvolvidos e cultivados, que hoje se encontram no auge de sua atividade física e mental, e amanhã, na mais absoluta inutilidade; exceção seja feita aos doadores de órgãos, aos que 'doam' seus corpos como exemplares para estudo da medicina, e aos cadáveres mumificados ou fossilizados, que servem a ciência hoje e que abastecerão o equivalente da ciência de daqui a 20.000 anos...
Na vida, temos consciência de nosso inconsciente; na morte, estaremos inconscientes de nossa pretérita consciência... Trilhai o caminho da humildade, e não acampei nas clareiras da arrogância. Avia-te para os idos de março...

Um comentário:

  1. Pertubador pensar nisso, pelo menos pra mim. Esse "temor" perante o inevitável é a grande explicação para a fé religiosa.

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