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“-O melhor resultado da manipulação genética a serviço do capital”; onde Deus e Ética foram sacrificados em prol da ciência puramente experimental!
Em breve, a curiosa criatura, piedade e compaixão nos devotos despertou. Mas, paradoxalmente, repugnância e horror, fobia e especismo engendrou. Da Igreja um pronunciamento incompassível se enunciou. O inerme, ao invés de batismo, excomunhão e condenação da Santa Sé suportou.
“-Até que o monstro demonstrasse compreensão pelos dogmas cristãos”, disse o primaz a bradar “-(...) entre os crentes e salvos o maldito jamais deve habitar!”. O exemplo amoroso de São Francisco de Assis, nenhuma benevolência no prior pôde evocar.
Mas “Leomem”, como foi chamado, logo manifestou natureza selvagem e independente, livre e irracional. “- Normas, regras, costumes e preceitos, aos adestrados homens é que servem de farol! Ao leão-homem não existe o Bem nem o Mal”. Lei da selva e especialismo orgânico, instinto e intuição. Somente estas disposições impeliam o homem-leão.
Semente das savanas, por tubos de ensaio transitou, e amor materno em ninguém jamais suscitou. Seu pai e criador, explodido e morto por eco-terroristas foi. Mas uma bióloga, sua cuidadora, pela aberração com ambíguo afeto se apegou.
O veloz desenvolvimento físico dos felídeos ele herdou; e logo, força e sagacidade aos dons de caça juntou. Indomável, corações deslumbrados por onde passava deixou. Mas paixão leonina por sua cuidadora subitamente sua ferocidade dominou. “-Qual Édipo e Jocasta de Sófocles!”, diziam os noticiários de modo sensacional. A reação conservadora era piegas e emocional: “-Tal qual Sansão e Dalila, essa relação imoral!”
O eleitorado julgou e a classe política embaixo assinou. Enjaulado e acorrentado o leão-homem logo se encontrou. Mas a moralidade tem suas máscaras, e como fonte de entretenimento e de lucros a desalmada criatura em shows e espetáculos explorada se tornou. Um empresário seus direitos comprou e com sua imagem vantajosamente mercadejou. A grotesca novidade do "Leomem" recordes de bilheteria bateu, pois a curiosidade de um mundo sádico e decadente em pouco tempo acirrou.
Exposto como aberração demoníaca nos centros mais civilizados do Velho Mundo, sua força e beleza, destreza e majestade, aos poucos foram drenadas em seu cárcere imundo. Maus-tratos e castração, zombaria e inanição também deram sua mórbida contribuição. Nem a ficção-aventura de King Kong prenunciava o desfecho sangrento que o episódio ocultava. Mas nada do mundo o homem-leão esperava, e apenas a atenção de sua cuidadora ainda o interessava.
E foi só quando o empresário da desumana turnê, em carícias lascivas no camarote apareceu, que o auditório do famoso ‘Mariinski’ de Petersburgo, um rugido lancinante percebeu. Era um acesso de fúria e dor. O Homem-leão viu sua fêmea ser cortejada por outro animal. A bióloga infiel sentiria na pele o que apenas em estudos de campo observou...; pois um ataque carnívoro sua deslealdade precipitou!
Bramido de dor e ira da jaula se elevou...; contudo, os sinais de perigo iminente a platéia ensandecida desdenhou. Mas toda vilania, sadismo e traição sofridos, que fizeram seu coração com sangue lacrimejar, o humanimal cruelmente enjaulado, o homem-leão duplamente explorado, iria agora plenamente vindicar!
A servir-lhe na vendeta demasiado humana que rapidamente tramou, da coragem e potência do predador se utilizou, e com a lógica e observância de engenheiro calculou. Seu trunfo deveu-se a um "anônimo admirador"*, que a jaula destrancada naquela noite de gala deixou...
O teatro estava cheio, com a platéia extasiada! Autoridades presentes por distinção, cientistas e acadêmicos em busca de créditos e comprovação. No camarote, dois pombinhos a rir da angústia do homem-leão, que em três ágeis e longos saltos, alcançou-os de assalto!!
Enquanto eram devorados pela fera, a dupla venal implorava à multidão: “-Salvem-nos, salvem-nos do animal!!”. Mas a turba urrava e aplaudia, vaiava e se escondia! A mesma sanha dos anfiteatros romanos e atenienses atiçava agora as emoções dos espectadores peterburguenses.
Cólera e medo, vergonha e frustração, deleite e pavor, castigo e punição. Para a desvirtuada espécie dos valores em degradação, o irônico destino lembrou-lhes uma antiga e recorrente lição: a lição de Édipo e Jocasta, de Dalila e Sansão, de Dr. Jekyll and Mr. Hyde, de King Kong e Frankenstein; e agora, a do Homem-Leão...
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