sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A FÊMEA DO BONOBO

           
Com 98 % de carga genética partilhada com os humanos, os bonobos provavelmente são um de nossos “parentes” mais próximos na árvore evolutiva. A sociedade dos bonobos é centrada na fêmea e de acordo com pesquisadores, diante de uma possibilidade de conflito entre dois bandos as matriarcas de um e outro grupo esfregam as genitálias para selar a paz.
Como ainda estamos longe do dia em que Dilma Rousseff e Cristina Kirchner esfregarão suas genitálias para resolverem uma contenda internacional ou mesmo judeus e palestinos transformarão a Faixa de Gaza em uma homérica suruba pacifista, temos que conviver com a violência como uma das possibilidades para resolução de conflitos, sobretudo, quando todas as tentativas de diálogo foram frustradas pela intransigência de ao menos uma das partes.
Gostemos ou não, a violência e repressão são indissociáveis, ao menos até hoje, de nossas organizações sociais. Os romanos submetiam seus prisioneiros de guerra a condição de escravos para colocar a economia em movimento; os indianos até hoje convivem com os subprodutos da sociedade de castas, mantida também pela violência. O século XX assistiu carnificinas de proporções titânicas movidas pelo radicalismo ideológico.  Enfim, a violência não é monopólio de cristãos, comunistas, muçulmanos, capitalistas, “bushistas” ou “lulistas” e não faltam exemplos de como está emaranhada na História das sociedades humanas.
Porém, violência e repressão, tal qual Mefistófeles, assumem aspectos e graus diversos. Paulo Freire, em “A Pedagogia do Oprimido”, desenvolve os conceitos de “ser mais” e “ser menos”, que a princípio podem parecer românticos e vazios, mas que na verdade levam a importantes questionamentos. “Ser mais” estaria ligado ao desenvolvimento de toda potencialidade humana (especialmente as relacionadas ao conhecimento) e “ser menos” diz respeito aos entraves a esse desenvolvimento. A partir desse raciocínio, percebemos formas de violência bastante veladas, porém, não menos efetivas e odiosas para suas vítimas. O trabalhador constrangido a passar metade do seu dia a serviço de seu patrão pode estar sendo violentado, uma vez que é despojado das mínimas condições físicas e mentais para ter contato com a ciência, a arte, o “ócio criativo”, enfim, ele não pode “ser mais”, pois seu salário mal paga sua subsistência e seu tempo livre é usado para “descansar com o único fim de estar descansado para trabalhar no outro dia”. Inclusive a “educação” que lhe é ofertada serve mais para qualifica-lo como mão-de-obra do que qualquer outra coisa. Esse trabalhador é violentado sistematicamente pela extenuante jornada de trabalho a que é submetido e reprimido de desenvolver-se intelectualmente pela impossibilidade econômica.
Milhares de crianças já nascem condenadas a “ser menos”, uma vez que desde a tenra idade deixam de “ser crianças” para tornarem-se parte importante no sustento da família. Assim, enquanto uns poucos desfrutam de “escolinhas de futebol”, livros da série “Vaga-lume”, “das feiras de ciência da escola”, das “Barbies” e “Hello Kitty”, considerável parte de nossas crianças se transformarão em adultos mal alfabetizados aptos apenas a construírem a riqueza alheia. Isso também é violência.
Nossa legislação permite que pessoas desviem exorbitantes somas de recursos destinados a hospitais e escolas para suas casas na praia, e ainda assim continuem impunes. Isso também é violência. A violência econômica muitas vezes condena mais pessoas a miséria que granadas ou fuzis e apesar de aparentemente “mais limpa”, ela apenas tem sua carnificina encoberta por uma ideologia disseminada por instituições estatais, pelos meios de comunicação e pelo “sistema de educação” que patrocina.
Muitos pacifistas, inclusive os mais sinceros, não reconhecem essas formas veladas de violência, porém, soltam gritos de horror quando grupos organizados de setores oprimidos da população empregam certas formas de violência, as vezes as únicas disponíveis, para sacudir o jugo da violência e repressão a que são submetidos diariamente. É a violência da autodefesa, talvez uma das mais legítimas formas de violência. Por vezes, uma maioria se vê em condições tão desesperadoras de existência que precisa se levantar, sacudir o jugo e nesse processo, ou emprega formas de violência e repressão ou se vê massacrada. Em 1964, no Brasil, o “querer evitar derramamento de sangue” possibilitou a instalação do “moedor de carne” dos militares. Allende, se tivesse prendido ou reprimido uma meia dúzia a mais de golpistas, poderia ter evitado o banho de sangue da ditadura encabeçada por Pinochet.
A violência existe, gostemos dela ou não, inclusive é condição sine qua non para a existência do Estado. Enquanto não aprendermos a solucionar conflitos esfregando as genitálias, ao modo dos bonobos, ou pelo diálogo, como parece desejável, teremos que conviver com ela, tentando utiliza-la da forma mais racional e progressista para a maior parte da humanidade e apenas quando e na medida estrita das necessidades. Novos holocaustos, Gulags, massacres por motivações racistas, religiosas ou ideológicas, devem e podem ser evitados a todo custo. Porém, o pacifismo, seja o cínico ou sincero, que não enxerga a violência econômica e social e nega o direito à rebelião ao oprimido, é tão opressor quanto o mais temido dos carcereiros.
O pensamento dialético permite compreendermos as coisas de forma não absoluta e sim em sua inegável condição histórica. O egoísmo, em si, não é bom ou ruim, podendo assumir um caráter progressista ou não em determinadas condições. A mesma ciência que proporcionou a penicilina possibilitou os atos terroristas de Hiroshima e Nagazaki. O medo que paralisa também nos mantém vivos e a coragem pode estar a um passo da insanidade. O mesmo acontece com a violência.

Saimov, “marxista anacrônico da  cabeça cheia de merda”

19 comentários:

  1. Um bom texto. Bem escrito, claro, sintético e objetivo. Mas levantou algumas questões pela própria qualidade e profundidade da argumentação.
    1ª: Existe ou existiu algum sistema econômico que não tiranize ou tiranizasse alguns ou muitos em beneficio de alguns ou muitos? Qual seria? Ele é real ou esta apenas no “papel”? É utópico, idealista, teleológico ou pragmatista?
    2ª: Você qualifica “Hiroshima e Nagasaki” como atos terroristas. Normalmente, e posso citar fontes, são considerados como “crimes de guerra”, “retaliação desproporcional” ou “genocídio”. A questão é que ninguém pôde punir os americanos por esta atrocidade contra parte da humanidade. Todos os que conhecem a História sabem da principal justificativa americana, a de que as bombas pouparam milhões de vidas que seriam tolhidas em uma invasão por terra para obter a rendição japonesa. Os militares Japoneses mataram milhões na China e no sudeste asiático antes que as bombas caíssem sobre seus civis; civis que, como seu texto dá a entender, nunca são inocentes peças de uma engrenagem que massacra. Rotular como “terrorismo” o ataque atômico ajuda a explicar e solucionar a atrocidade?
    3ª: A opressão do sistema capitalista sobre o operariado isenta a massa do operariado de buscar o “saneamento” íntimo por conta própria? O trabalho operário há de necessariamente transformar os indivíduos em autômatos ignorantes, explorados e indignos? Onde a força que deveria unificar o operariado em uma única agremiação poderosa o suficiente para contrabalançar o jugo dos capitalistas empregadores? Se ela surgisse “naturalmente”, teríamos os fenômenos dos levantes sociais com muito maior recorrência. Não é o caso. O que se vê são grupos isolados buscando “melhorias” pontuais, como aumentos salariais, diminuição da carga horária, benefícios trabalhistas baseados em condições específicas de trabalho.

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  2. Quanto a primeira questão penso que na História das sociedades humanas ainda não houve tal sistema. Podemos encontrar sociedades onde a divisão da riqueza social fosse feita de forma muito mais equitativa que outras, porém, sempre houve aqueles grupos que se serviram dos meios disponíveis para se apropriarem de uma porcentagem maior da riqueza socialmente produzida. Se isso é inerente à vida em sociedade, não posso responder com certeza. O socialismo, ao propor a superação da opressão econômica através do fim da propriedade privada dos meios de produção, com certeza não trará o paraíso a Terra, pois provavelmente ainda existirão aqueles grupos que exercerão alguma forma de domínio (seja ele intelectual, político...) sobre outros. Mas ao por fim a propriedade privada dos meios de produção e estabelecer a planificação (claro que não total) da economia, o socialismo eliminaria o principal fundamento do que você chamaria de “tirania econômica”. Claro que tudo isso depende de haver ou não uma democracia de fato, ou seja, que o Estado seja realmente controlado por uma “maioria” através da democracia socialista e não ocorra o fenômeno do substituísmo, ou seja, quando a classe é substituída pelo partido e muitas vezes o partido por um “grande líder”.
    Quanto ao uso do termo “terrorismo”, existe diversas definições para tal termo e ele pode servir ou não para designar o fenômeno dependendo de como você o entenda. Muitas vezes um termo é usado para designar algo e não para outro, apenas em função dos interesses que estão envolvidos. Por exemplo, “revolução de 64” ou “golpe de 64”; Saddam Hussein foi enforcado por crimes contra a humanidade e o presidente Bush não foi ao invadir o Iraque e matar milhares de civis inocentes sobre falsos pretextos (armas de destruição em massa que até hoje não foram encontradas). O que eu pratico é “guerra defensiva” “o outro” é terrorismo, carnificina...
    Se pensarmos em terrorismo como ato restrito (no caso às duas cidades), destinado a causar terror a toda uma nação pela ação pontual em duas cidades, ação essa empregada não contra alvos militares, mas indiscriminadamente contra civis (mulheres, crianças, idosos, trabalhadores...) e com o claro fim de “aterrorizar”, acho que o termo pode ser empregado no caso das bombas atômicas. Acho que o uso do termo “terrorismo” tem a vantagem de questionar a propaganda norte-americana que pretende colocar todas as ações beligerantes daquele Estado como legítimas e defensivas. Claro que ao falarmos em terrorismo, nesse caso, não podemos ser menos críticos para com as atrocidades promovidas pelo imperialismo nipônico.
    Saimov

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  3. Quanto a terceira questão, não entendo que seja possível esse “saneamento íntimo” por meio de uma tomada de consciência individual. As pessoas precisam comer, vestir, morar, antes de pensarem em “reformas íntimas”. Em determinadas condições de existência, por exemplo, o egoísmo exacerbado, a “malandragem”, “traição”, podem ser a diferença entre a vida e a morte. Assim, acredito que essas modificações “íntimas” vem a posteriori e não a priori, de forma dialética. Explico, as necessidades materiais concretas proporcionam a “solidariedade” de certos grupos ou classes na luta por um objetivo comum. Conforme essa luta se desenvolve essa solidariedade se desenvolve e se cristaliza, deixando de ser mero reflexo de interesses imediatos. Conforme essa luta produz conquistas materiais (melhor moradia, alimentação, menor jornada de trabalho...), a necessidade do egoísmo, traição...vai diminuindo, o homem pode se dedicar a arte, ao estudo e assim pensar em sua própria existência. Assim, acredito que primeiramente tudo parte de interesses materiais concretos, um segundo momento é a luta por tais interesses, e o último (que não será o último), consiste em novas relações entre os homens e mudanças que você chama de “saneamento íntimo”. Não entendo ser possível essas mudanças a priori e individualmente simplesmente em razão da primazia das necessidades de subsistência.

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  4. Em relação à questão de “necessariamente o trabalho operário transformar os indivíduos em autômatos ignorantes, explorados e indignos”. Bom, nunca usei e nem usaria o termo indigno, pois a luta diária do trabalhador para subsistir e proporcionar uma vida melhor a sua família, só o fazem mais digno. Não uso e nem usaria também o “necessariamente”, uma vez que ele indica que não pode existir exceções e não entendo o mundo sob o prisma do determinismo mecânico. Mas como estou falando não de indivíduos isolados e sim da vida em sociedade, entendo que as condições concretas de existência da imensa maioria dos trabalhadores (jornada de trabalho exaustiva, péssima remuneração, atividades repetitivas e mecânicas...) fazem com que sejam concretamente impossibilitados de desenvolverem suas potencialidades. Falta tanto o acesso material como subjetivo para apreciar e entender a arte, a ciência e a própria existência de uma forma mais ampla. Para conhecer a Física, apreciar uma boa música clássica, conhecer a História, Biologia, Literatura...é preciso antes de tudo estar bem nutrido, ter condições financeiras para ter acesso a isso, ser convenientemente alfabetizado, ter tempo para ler, refletir e compreender, ter uma boa formação cultural prévia...Isso tudo não corresponde às condições da maioria dos trabalhadores brasileiros.
    Quanto a “força unificadora”, ela existe e se torna mais ou menos efetiva de acordo com as condições concretas de existência. As necessidades comuns, a opressão comum, leva os trabalhadores a se unirem em unidades de lutas mais ou menos amplas, algumas vezes em sindicatos, partidos, sovietes ou mesmo organizações que escapam a essas definições. As possibilidades de se passar do sindicalismo para uma luta política mais ampla, englobando vários setores da “classe”, dependem das condições econômicas do momento, da agudização de crises econômicas e da tradição de luta dos grupos de trabalhadores, que podem se educar na própria luta e perceber que seus interesses estão interligados com os de outros trabalhadores. Passar das exigências pontuais ao questionamento político, pode ser uma decorrência da própria luta ou (e juntamente) com a ajuda de elementos que por uma razão ou outra conseguiram se educar, pois como disse anteriormente, não há um determinismo inexorável.
    A vitória dos socialistas no parlamento francês, por exemplo, representa uma clara tomada de consciência dos franceses em razão de interesses concretos (perdas salariais, aumento do tempo de aposentadoria, aumento de impostos). Setores descontentes já passaram do “descontentamento pontual e sindical”, para um questionamento político mais amplo, colocando em xeque o modelo de desenvolvimento econômico vigente até então. Os vários setores da classe trabalhadora em vários países europeus já se unem em unidades mais amplas.

    Saimov

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  5. Putz, alguém sabe porque não consigo postar o comantário todo, tendo que fazê-lo em partes?

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  6. Você diz: "Para conhecer a Física, apreciar uma boa música clássica, conhecer a História, Biologia, Literatura... é preciso antes de tudo estar bem nutrido, ter condições financeiras para ter acesso a isso, ser convenientemente alfabetizado, ter tempo para ler, refletir e compreender, ter uma boa formação cultural prévia...". Isso soa um pouco como determinismo: " Só se alcança este objetivo através desta alternativa, que coincidentemente é a que defendo...". Percebe? O Brasil do ano 2011 já não é o país da década de setenta ou oitenta, onde quase que só a burguesia alcançava as "condições" que você impõe para o auto-esclarecimento, ou auto-saneamento íntimo. A busca por sobriedade, disciplina esportiva ou atlética, erudição, objetivos coletivos nobres, honra, respeito ao meio ambiente, respeito ao próprio corpo e aos corpos alheios, educação e gentileza, dons e habilidades potenciais não dependem somente das bases materiais para se realizarem, pois são conversões ou descobertas intimas de baixíssimo custo. Você fala como se os salários pagos hoje fossem somente o "salário mínimo" do governo. Nossos trabalhadores lêem pouco porque aprenderam que a conversa no bar é mais gratificante em curto prazo. Não têm tempo de se dedicar a atividades artísticas ou esportivas porque o trabalho consome seu tempo e energias, você diz. Mas eles o têm para assistir ao inútil ópio do brasileiro, o futebol. Nossas mulheres, em todas as classes, pelo que relatam as pesquisas, adoram telenovelas, e lêem muito pouco, mas ainda mais que os homens! A busca pela comodidade tem “engordado” os brasileiros, como o fez com os bem-remunerados trabalhadores norte-americanos. Veja, música clássica é obtida quase que de graça pela net, hoje acessível, segundo outras estimativas, a potencias 70% da população!! Mas prefere-se ouvir música fácil, com letras despolitizadas e imediatistas, de péssima qualidade em termos composicionais. Música fácil. Atividades prazerosas e fáceis. Mesmo o tão famigerado trabalho já não é lá tão degradante. Existem leis a serem acionadas e aplicadas quando o trabalhador se sente oprimido. A OAB oferece serviço gratuito nestes casos, e a grande maioria dos casos são julgados com veredito a favor do trabalhador. O sistema capitalista é a “realidade” que temos hoje. Podemos e devemos lutar contra seus excessos e abusos? Sim, sem dúvida! Mas a idéia de pegar em armas e derramar mais sangue em nosso país por uma ideologia obsoleta, que teima em não acompanhar as transformações sociais, e insiste que o “econômico” é o único determinante de tudo o que esta na “superestrutura”, agrada a muitos poucos, tenha certeza. Nosso trabalhador em mais preocupado em se tornar patrão, em aumentar suas posses, em futuras comodidades e em tripudiar sobre seus futuros empregados, do que em coletivizar a riqueza sócio-econômica, para não falar da ojeriza que ele tem só de pensar em socializar o que é seu... Ele esta mais preocupado com a cerveja , o futebol e a transa do fim de semana do que em se situar no processo do materialismo dialético e em perceber as potencialidades que esta suposta posição proporciona. Isso sim continua sendo matéria de estudos burgueses.

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  7. Comodismo, impontualidade, inconstância, má-vontade e falta de assiduidade é o que caracteriza o trabalhador médio brasileiro médio, e isto infelizmente “não” é estereótipo mal-informado. Por essas e outras, falar em revolução em nosso país me dá arrepios, não por medo da morte, mas pelo tipo de gente que vai substituir os que já estão no “comando”. Em lugar algum a revolução de cunho marxista elevou ao poder “espíritos nobres”, talvez com exceção de Lênin; e nem melhorou as condições do “trabalhador”, esta entidade que você se refere quase como uma abstração. Não! Fidel não tem “espírito nobre”, é só lembrar-se da “terceira guerra mundial” que quase desencadeou com a irresponsabilidade e leviandade do episódio da “crise dos mísseis em Cuba”. Um estadista de porte teria contornado a invasão da “Baía dos Porcos” através de meios diplomáticos ou convencionais, e não colocando o mundo a beira do extermínio nuclear... Talvez Che Guevara sim tenha sido um guerrilheiro marxista inspirado e bem-intencionado.
    Mas se já estamos em uma democracia e em um estado de direito, temos de fazer uso destes instrumentos para extinguir a miséria remanescente, a ignorância e o semi-analfabetismo insidioso com que nos defrontamos. Melhores professores, melhor alimentação, melhor qualidade do meio em que se trabalha. Estas são metas mais “realistas” do que mais uma utópica revolução proletária, onde os instruídos burgueses acabariam por “tomar” as rédeas do poder, ficando “elas por elas” a situação do país, ou pior, bem pior, porque pelo que tenho lido a respeito, toda revolução gera, além de guerra civil, mortandade e o subseqüente “terror”. Não espero convencê-lo de nada. Mas também não estou convencido de seu “conhecimento de fato” da situação do trabalhador médio brasileiro de hoje.

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  8. Uma observação quanto ao Guevara. Fidel frequentemente teve que contê-lo em sua ânsia desenfreada por execuções sumárias. E ele foi uns dos que ficou puto da vida com a retirada dos mísseis soviéticos.

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  9. Se ser determinista é acreditar que só é possível se dedicar a conhecer a ciência moderna e várias manifestações culturais estando minimamente bem nutrido e alfabetizado, sou DETERMINISTA. Não acredito que um pobre coitado preocupado em adquirir o mínimo de calorias para colocar seus músculos em movimento e que não foi minimamente alfabetizado, possa se interessar ou entender a poesia de Baudelaire, a Física quântica, o darwinismo...Nesse sentido sou DETERMINISTA.
    Quanto a idéia de Revolução armada, note que em momento algum usei tal termo (e creio que em nenhum texto anterior também) e isso tem um motivo. Não entendo a revolução armada como um fim em si mesmo, mas como um meio, um último e desesperado recurso a ser usado quando todos os outros foram inviabilizados, inclusive os processos eleitorais.
    O socialismo hoje com certeza seria bastante diferente de suas manifestações do século passado e de algumas que sob esse nome subsistem ainda hoje. Aliás, o autoritarismo de muitos "comunismos" foram menos uma inovação dos comunistas do que o fruto de sociedades já autoritárias e que assim persistiram. Nesse sentido, a luta pelo socialismo hoje pode dispor de meios que outrora não dispunha, deixando o conflito armado (guerra civil) como último recurso apenas. Uma organização econômica socialista só pode ser aceitável sob os fundamentos da democracia socialista.
    Quanto a possibilidade de "saneamento íntimo", realmente me parece óbvio que cada pessoa possa refletir sobre si mesma e sobre o mundo e mudar hábitos e comportamentos. O que não acredito é que essas pequenas modificações íntimas, individuais, possam trazer mudanças substâncias em nossas organizações sociais.
    Como disse que o homem precisa fazer uma “revolução íntima”, posso pressupor, por lógica, que ela ainda não foi feita. Se não foi, porque isso ainda não aconteceu? Isso será algo espontâneo, de uma hora pra outra, sem motivação alguma e fruto apenas de reflexões?
    Outra questão que gostaria de ressaltar diz respeito ao “mundo do trabalho”. Em várias empresas que trabalhei (grandes, pequenas, familiares...não de minha família, claro), que amigos e alunos meus trabalham, conhecidos e não conhecidos, percebi que o mundo do trabalho de fato é bem distante do mundo do Trabalho em teoria ou da CLT. Pra citar apenas um exemplo, a jornada de trabalho de fato é bastante superior aquela garantida pela legislação trabalhista. Isso não é algo isolado, mas amplamente disseminado e apesar de em teoria o trabalhador poder recorrer à justiça e vencer a causa, de fato não ocorre com a frequência que deveria, uma vez que o medo real de ficar sem trabalho o faz se submeter às piores condições possíveis. Férias que não são pagas, horas extras não remuneradas, banco de horas...Tudo na prática funciona diferente da teoria e isso falo por experiência própria e observações cotidianas.
    Quanto a jornada de trabalho, uma das lutas dos trabalhadores da subdesenvolvida e agrária Rússia de 1905, era a jornada de oito horas. Um século depois, com todo desenvolvimento tecnológico para produção de alimentos e bens...Nem essa jornada ainda temos de fato. Se aumentou a capacidade produtiva tanto quanto aumentou, será que não conseguimos alimentar a humanidade com uma jornada menor que a do século passado?
    Saimov

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  10. Quanto a preguiça e indolência, concordo, mas não vejo isso como uma característica apenas dos trabalhadores, mas talvez como algo natural, relacionado a necessidade milenar de economizar energia. Mas claro que tem razão, realmente é possível buscar auto-disciplina e conhecimento individualmente, porém, em larga escala, vejo os “entraves objetivos” e “subjetivos” decorrentes de nossa organização social, como muito mais fortes e decisivos que essa indolência e preguiça.
    Além das necessidades materiais básicas para qualquer aprendizagem, existem outras subjetivas. Geralmente, as pessoas só se interessam, só percebem a beleza e procuram conhecer, as coisas que lhes dizem algo, na maioria das vezes de imediato. Assim, alguém que nunca teve uma educação musical na escola e que é massacrado pela cultura de massa voltada para o mercado, nunca vai ter a idéia de procurar no google ou youtube uma obra musical de maior qualidade, mesmo porque para compreender tais obras são necessários alguns conhecimentos prévios.
    Um jovem estudante de escola publica, cito alguns alunos meus, por exemplo, que cortam cana o dia todo, realmente não tem pique para “disciplina esportiva”. Foram mal alfabetizados e nosso modelo educacional voltado para formação de mão-de-obra pouco faz para mudar isso. Não percebem a beleza das teorias da Física, a elegância do darwinismo e a sublime beleza da Nona Sinfonia não porque são indolentes, mas porque mal sabem ler e estão demasiados preocupados em pagar aluguel e o supermercado no próximo dia. Além do mais, e isso julgo ser importante, nosso sistema econômico restringe tanto seu “universo de possibilidades”, que realmente pouco sentido faz para eles pensar nos “dilemas do Ser” ou em “saneamento íntimo” ou como se deu o “big bang”.
    Em uma escola onde trabalhei por cinco anos, percebi a nítida diferença entre os alunos que tinham uma melhor renda e os mais carentes. Isso acontece na maioria das escolas públicas, basta pegar aulas por um ano para perceber. Aqueles que moram com pai e mãe, não precisam trabalhar aos onze anos, não apanham, podem comprar livros, tiveram acesso a um cinema, teatro...Realmente se interessam mais por poesia, literatura, ciência...Agora, os coitados filhos de mãe que bebe e pai desconhecido, que são muitos, que perderam a infância para sustentar família, que vão na escola mais por causa da merenda...Geralmente não se interessam por essas coisas.
    Escrevo essas linhas refletindo sobre um Brasil muito diferente e mais miserável do que aquele encontrado em algumas regiões de certa forma “privilegiadas” como a nossa. Para finalizar, basta colocar na ponta do lápis a renda média da população brasileira para refletir sobre as possibilidades de se pagar R$ 15,00 de cinema, R$ 30 (no mínimo) uma boa peça de teatro, R$ 60 um bom livro de ciência, R$ 50,00 a internet para baixar Beethovem (depois de saber quem ele é pela Wikpédia)...É só somar esses “mimos intelectuais” com aluguel, supermercado, roupas, transporte e remédios, para perceber que pra muito poucos essa conta vai fechar.

    Saimov

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  11. Você diz “(...) - Não acredito que um pobre coitado preocupado em adquirir o mínimo de calorias para colocar seus músculos em movimento e que não foi minimamente alfabetizado, possa se interessar ou entender a poesia de Baudelaire, a Física quântica, o darwinismo... Nesse sentido sou DETERMINISTA”.
    Certo, mas nem todos apreciariam a “poesia de Baudelaire, ou a física quântica, ou o evolucionismo de Darwin estando com a barriga cheia ou não!! Nem mesmo os burgueses e riquinhos bem alimentados e educados as apreciam!!
    Não estou negando que devemos abolir o trabalho extorsivo, mal remunerado; ou o trabalho infantil e semi-escravo que subsistem em várias partes do país. Não importa se nossos trabalhadores terão acesso ou gosto pela alta cultura européia, basta que tenham acesso a nossa própria cultura, ao menos. Mahler compôs suas dez sinfonias para uma audiência radicalmente diferente da que temos hoje, tanto na Áustria quanto aqui. Beethoven e Darwin também respondiam a expectativa e exigências de seus próprios momentos históricos.
    Preocupa-me mais o alcoolismo insidiosamente, e odiosamente, sendo estimulado pela propaganda televisiva. Preocupa-me muito mais a violência urbana, o tráfico de drogas que arruínam a vida de jovens. Preocupa-me muito mais o alto índice de suicídio que registramos e que não é divulgado. Preocupa-me mais o consumismo destrutivo; a falta de contato das pessoas com os numens ancestrais; o distanciamento do homem moderno da Natureza. Preocupa-me mais a glutonaria que formará obesos mórbidos. Preocupa-me a horrenda morte de jovens no infernal trânsito brasileiro. Preocupa-me o elevado número de mães solteiras jovens e pobres. Preocupa-me mais a falta de perspectiva da nação como um todo.
    O capitalismo esta globalizado. Sua defesa é globalizada. A própria China, dita comunista, procura inserir-se na economia de mercado mundial. Irão os socialistas lutar seriamente contra esta tendência?
    De minha parte, preferirei transmitir aos meus alunos o que nem a família, nem a mídia e poucos professores tem a eles repassado: a fuga dos vícios, a reserva de tempo para a prática de algum esporte ou exercício, a prática da leitura, o deleite da boa música. Todos podem encontrar tinta ou vinte minutos diários para se exercitar, e garanto que o fortalecimento do corpo e o subseqüente fortalecimento da mente é possível mesmo aos de nutrição deficiente. Basta que se lhes ensine o que vem a ser uma boa dieta, e que se lhes estimule a pratica de esportes que lhes sejam prazerosos. Não estamos na Etiópia da década de oitenta e nem no Sudão da década de noventa, nem em Bangladesh ou no Haiti. Estamos no Brasil, país inexoravelmente coligado ao movimento globalizado da economia mundial. Dependente dela e tributário dela. Uma mudança drástica de orientação econômica, a esta altura, é impensável, por mais que eu, você e outros a desejem. Por isso acredito que devemos “dar o exemplo” aos mais jovens antes de povoar-lhes a mente com ideologias que mal compreendem.
    Outra coisa. O “estado” de contentamento e felicidade é algo absolutamente subjetivo, o que indica que um operário que vive no limite da sobrevivência pode muito bem se dizer feliz em sua penúria, enquanto um magnata como Salvatore Alberto Cacciola, vive fugindo da Interpol; enquanto artistas muito bem pagos se suicidam; enquanto esportistas de alto nível estão presos por assassinato. Nada melhor do que chegar em casa e ter uma esposa carinhosa, um prato de comida e filhos para alegrar o fim de seu dia, pois há sempre a esperança de que as coisas possam gradualmente melhorar. Sim existem outras pequenas belezas da vida que nos enchem de gratidão e vigor: paz de espírito, crianças, flores, auroras, poentes, paisagens, afetos e afeições verdadeiras... Achar que se tem a solução tanto para o problema de uns quanto para o problema de outros no Socialismo, sempre utópico, é miragem, delírio e presunção.

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  12. Você diz “(...) - Quanto à possibilidade de "saneamento íntimo", realmente me parece óbvio que cada pessoa possa refletir sobre si mesma e sobre o mundo e mudar hábitos e comportamentos. O que não acredito é que essas pequenas modificações íntimas, individuais, possam trazer mudanças substanciais em nossas organizações sociais”.
    Ora, o circulo moral esta se expandindo a cada década, e hoje temos organizações que buscam proteger florestas, animais e belezas naturais ameaçadas. Como dizer que não há melhoria intima no processo histórico e reflexos dela nas organizações sócias?!
    Leia Peter Singer! Pelo amor de seu Deus!! Este filósofo vem tratando de questões morais, éticas e existenciais há décadas, e sua obra corrobora minha tese de que o circulo moral pode ser expandido até englobarmos os mais insignificantes animais e plantas em “nossa” ética e moral, com seus direitos e seguranças!
    Não vejo necessidade de ditadura do proletariado para tornar o mundo um lugar melhor. Vejo um mundo melhor através do ensino dedicado, do labor e do ócio criativo. Não vejo como derrotar o sistema que aí se instalou há séculos, e que tem todo o controle sobre nossas vidas, O que resta ao homem é lutar pela autonomia que ainda lhe resta e dela fazer o melhor para si e para o próximo, este “outro” que desprezamos nas filas, nos engarrafamentos e nos espaços públicos!

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  13. "Não vejo como derrotar o sistema que aí se instalou há séculos, e que tem todo o controle sobre nossas vidas."

    O império romano parecia eterno, o czarismo na Rússia...Então o capitalismo é eterno porque se instalou a séculos? Faço minhas as palavras de Marx: "Tudo que é sólido se desmancha no ar".

    Saimov

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  14. Sim. Mas nem o Império Romano e nem o czarismo se globalizaram... Que a coisa vai se desmanchar um dia..., isso vai.Mas até lá é melhor "unir-se a eles, já que não se pode derrotá-los", diz um antiquíssimo ditado.

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  15. E não se globalizaram...Imagina hoje, quando uma crise na "periferia" da economia mundial se alastra como fogo no palheiro...Tudo é mais rápido, dinâmico...menos estável...
    "Mas até lá é melhor "unir-se a eles, já que não se pode derrotá-los".
    Engraçado, esse ditado me lembrou o que disse uma ex-militante da juventude hitlerista no documentário da Tv Escola essa semana.

    Saimov

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  16. Pois é. Radicalismo de esquerda e radicalismo de direita se encontram em seus extremos. Comunismo e fascismo estão a apenas uma linha imaginária de distancia. Percebe-se isto em propostas como "exterminar famílias burguesas"; ou "solucionar o problema judeu". Este dito sim, lembra o hitlerismo.

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  17. Em seus extremos, bem dito. Agora confundir comunismo e fascismo...só com muita confusão mesmo. Quanto ao "exterminar família burguesas"...Nem Goebbels conseguiria deduzir extermínio físico de pessoas da idéia de mudanças na estrutura familiar decorrentes do fim da propriedade privada dos meios de produção...Nunca disse nada parecido com extermínio, mas..."Uma mentira dita mil vezes pode tornar-se verdade".
    Saimov

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  18. Do mesmo modo que negar mil vezes uma verdade escrita e assinada não vai justificá-la nem torná-la uma mentira.

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