segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Ivan e a Revolução

O jovem Ivan cansou da letargia que o cercava. Devorou em algumas poucas horas “A Revolução de Outubro” e decidiu que havia tempo de iniciá-la, já que ainda estamos em setembro.
Iluminado pelas letras sagradas daqueles poucos seres abrilhantados como Trotsky, jurou que deixaria para trás toda a alienação de anos de estudo pelos corredores de sua faculdade, preso aos grilhões acadêmicos de um sistema imundo e desigual. Era chegado o momento: de agora em diante toda forma de desigualdade seria combatida em nome de um bem maior, o amor. Sim, o amor que ele trazia sem qualquer definição. Ivan estava convencido de que o amor era o amálgama pendente capaz de dar liga à Revolução de Outubro.
De súbito, levantou-se da confortável cadeira onde se sentava até esta nova etapa de sua iluminação, fechou o seu livro sagrado e o guardou em sua mochila Nike, não sem antes arrancar a vírgula nikeana capaz de macular sua trajetória irretocável rumo ao desfecho feliz para o qual conduziria a humanidade a partir de agora.
Abriu a porta de seu quarto, olhou atentamente para o seu passado e para a sua mochila, onde guardava o tesouro do novo mundo. Resignado, pôs-se para fora do quarto num soluço seco, pronto para levar a boa nova a este mundo carente de amor, igualdade e liberdade.
No corredor até a sala, pensava, indignado, como era possível ao mundo ainda não ter escutado tamanho Evangelho do amor e da igualdade. Não havia tempo a perder, e sua responsabilidade ganhava corpo a cada passo marchante até a porta da sala de sua casa.
Pelo caminho, passou por seus pais e pensou: “Deixe que os mortos enterrem seus mortos”. Ninguém acende uma lanterna para pô-la em baixo da mesa. E passou por eles quase em marcha atlética, sedento por ganhar o portão de sua casa e posteriormente o mundo.
Lançou-se do portão para fora na maior empreita de sua vida, e logo se deparou com a primeira injustiça. Observou que em frente a sua casa um grupo de oito garotos corria atrás de uma única bola, todos famintos por conquistá-la. O sangue brotou-lhe nos olhos ardentes. Percebeu o quão dura seria a sua luta. Na porta de sua casa a injustiça brotava a céu aberto!
 Não poderia ser conivente com tamanha injustiça. Lembrou que possuía alguns poucos dinheiros em seu bolso guardados para se alimentar. Mas resolveu que sobreviveria apenas de amor. Aqueles dinheiros não lhe pertenciam, nunca foram seus, eram fruto da mais-valia, da ideologia da propriedade privada. Basta! Pôs-se em direção ao mercadinho da esquina e comprovou outras 8 bolas.
E quando um dos garotos marcava um gol entre os espaços de tijolo na rua, o jovem Ivan correu ensandecido e tomou-lhe aquela bola. Os garotos já preparavam pedras para lhe acertar, mas Ivan mostrou-lhes aquelas 8 bolas novas. Conclamou a todos para uma breve reunião, e após algumas horas de árdua doutrina, entregou a cada garoto uma bola em meio a uma cerimônia que mais lembrava um batismo, por onde os garotos deixavam a morte para entrar na vida eterna de seu conceito particular de amor. Rasgou-lhes a bola antiga, de plástico surrado, como símbolo da eliminação da propriedade privada.
Todos agora eram iguais. Todos tinham uma mesma bola e não haveria mais competição!
Caminhou até a esquina de sua rua limpando as lágrimas de alegria que escorriam-lhe pelo rosto. Foi quando presenciou a segunda injustiça, ainda mais escabrosa e lancinante! Percebeu que um cadeirante tentava subir a calçada pela rampa de acesso para deficientes. - Aberração!!! – gritou ensandecido. Todos são iguais, não pode haver privilégios. O espírito de igualdade logo tratou de oxigenar suas têmporas e correu desenfreadamente pondo-se a chutar o cadeirante com toda ira guardada contra os oligárquicos e detentores de privilégios!
O cadeirante não entendeu muita coisa, pois só lhe restava tempo para, com uma mão, se defender dos socos e pontapés que levava e com a outra tentava empurrar sua cadeira toda esculachada. Ao final, Ivan conseguiu impedir mais aquela injustiça e um sorriso libertário abriu-se em seus lábios dourados de glória por ter preservado a igualdade de condições para todos e lutado contra os privilégios.
Ainda ofegante após a luta de capoeira que travou com o cadeirante, Ivan, em sua incansável luta escutou o sino da igreja matriz que fica em frente à praça de sua cidade. Era o final da missa, aquele ritual macabro mantenedor do capitalismo e destruidor das mais augustas revoluções.
Olhou indignado para tamanha quantidade de pessoas que saia alienada pela porta da Catedral. Os olhos vermelhos transmutaram-se em um rubro mixado ao negro do luto e da guerra contra o cristianismo.
Entendeu que a guerra chegava ao seu ápice. Era a luta contra o maior de seus inimigos, a Igreja!
Abriu sua mochila, sacou seu livro sagrado e marchou contra o povo que saía despercebido da missa. E no meio da multidão, sem nome, sem lenço e sem documento, pôs-se a bravejar injúrias contra Cristo, o padre, a Igreja, a família e todas as categorias católicas. Em apenas um minuto justificou a necessidade de se pegar em armas, fazer a revolução, matar e aniquilar os inimigos da liberdade, exterminar os mantenedores do Status quo vigente!
Era a ele a quem todos deveriam escutar, era ele o augusto portador da verdade, da verdadeira liberdade, do amor em sua acepção excelsa.
E após espumar a boca por tantos gritos e falatórios libertários, notou que o semblante do povo em nada mudou. Nenhuma verdade escutaram, nada, absolutamente nada.
E a começar pelos mais jovens, aos poucos todos foram se retirando, em silêncio, humildes, até que o mais idoso, antes de se retirar, caminhou até ele e disse-lhe em tom suave:
- Filho, neste mundo não há paz, quebram até as flores[1].
  


[1] Filha de Henrique Dussel, com 7 anos de idade.


Rafael Guerreiro

3 comentários:

  1. Tenho que confessar que gostei bastante do texto. Sutil, enfaticamente dirigido, engraçado e bem escrito. Sem cinismo algum digo que gostei. É uma boa crítica a alguns filhinhos de papai que são marxistas apenas de corredor de faculdade. Concordo que existem essas tendências e eu mesmo já escrevi vários textos contra elas.
    Acho que o blog tem muito a ganhar quando fazemos isso, ou seja, crítica e sátira sem ofensas pessoais e sem aquela fúria de cruzado que nosso anônimo vez por outra nos presenteia.
    Só faço uma ressalva, que é bastante importante. Não pense que isso que criticou é o marxismo, que é uma teoria "viva" e em permanente reformulação. Mas reconheço a legitimidade de assim proceder, posto que eu mesmo o faço com a Igreja Católica para te provocar.
    Parabéns pelo texto
    Saimov, marxista anacrônico, autoritário e com a cabeça cheia de merda (gostei do meu novo sobrenome)

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  2. Só uma coisa ainda me intriga, os critérios para enquadrar determinadas práticas em determinados conceitos.
    Eu expresso o que penso e apesar de não gostar de usar anonimato defendo e brigo pelo direito dos anônimos postarem no blog...E sou autoritário.
    Vossa Mercê defendeu a supressão do direito dos anônimos comentarem no blog e pratica censura nos comentário postados no seu blog...E é libertário.
    João Goulart é democraticamente eleito, tenta promover reformas sociais estritamento dentro de suas prerrogativas constitucionais...É autoritário.
    Os milicos colocam os tanques na rua e derrubam o governo...São libertários.
    Allende busca construir uma alternativa socialista por vias democráticas...É autoritário.
    Picochett bombardeia La Moneda com o presidente dentro...É libertário.

    Vai entender...Só Ivan e Scopenhaur para explicarem...
    Saimov marxista anacrônico e blá blá blá

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  3. Saymon, pare de ler o q estiver lendo e passe mais tempo com sua namorada...rs

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