segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Extremo trágico.



Um ser humano pode estar feliz mesmo enquanto aguarda a eletrocussão, via cadeira elétrica, no corredor da morte. Já outro, infeliz, acumula coragem para suicidar-se em um big hotel de Hollywood.



O que parece predispor cada um destes estados de consciência é a presença ou ausência de “paz de espírito” obtida ou não enquanto se alimenta a esperança ou a desesperança dentro de si. Desesperar-se mesmo tendo uma enorme gama de recursos à disposição, e não entrar em desespero mesmo quando o último recurso ao governador do Estado foi negado, depende, portanto, de um equilíbrio ou desequilíbrio interno. Dois extremos que se chocam vindos de direções diferentes: ânsia de viver, desejo de morrer. Ter ainda algo mais para falar, e nada mais ter a dizer. Históricos individuais que se julgam, condenam e sentenciam. Dramas pessoais que, conduzidos por trilhas diferentes ou mesmo antagônicas, deságuam na mesma foz, a morte. Uma trilha segue o caminho da carestia e da fome, que leva ao latrocínio, prisão, condenação e execução; outra passa pela abundância, fastio e saturação, e leva à desilusão, à depressão e ao auto-extermínio. Um dos indivíduos foi privado de tudo pela sociedade, inclusive e finalmente da vida, mas ainda assim encontrou as respostas que buscava, ou soube fazer as perguntas certas no momento critico. O outro usufruiu e consumiu de tudo, inclusive a própria vida. A fartura o levou a lassidão de espírito, e esta não lhe permitiu encontrar uma estratégia melhor para lidar com seus problemas e frustrações que a auto-eliminação.



Necessidades materiais e necessidades imateriais. Um deles obteve muito das primeiras; o outro apenas o essencial da segunda, tardiamente. Tardia também foi a conversão do ladrão crucificado com o Cristo. Mas esta conversão lhe garantiu a “paz de espírito” necessária para enfrentar a morte que chegava. O terceiro crucificado morreu rebelado, em amargura e tormento. Padrões recorrentes.



Instigados ao consumo dos mais supérfluos bens por políticos demagogos (que prometem satisfazer estas demandas inventadas), e publicitários hipócritas (que visam apenas aumentar seus ganhos oferecendo ao consumidor os mais diversos ‘venenos’ e ‘bugigangas’), os indivíduos acreditam estarem em “desvantagem” ou em condições “injustas” por não poderem arcar com a aquisição destes produtos, que não são indispensáveis do ponto de vista das necessidades vitais. Uma vez de posse dos extravagantes fetiches sociais, o indivíduo transforma seu ‘uso’ e ‘posse’ em uma “segunda natureza”, em hábitos por vezes nocivos e dispendiosos, sem mais se dar conta de que os busca por curiosidade, vício, inveja e ciúmes.



Alimentação, vestuário, moradia, saúde, segurança e lazer são necessidades primárias. Mas a desnaturação desta última, o lazer transformado em entretenimento, tem feito dos indivíduos meros fantoches e marionetes nas mãos dos produtores de ilusões, fantasias e hábitos. As tradicionais danças folclóricas e festas populares que celebravam o solstício ou as colheitas, o casamento ou o nascimento, a vitória ou a morte, tornaram-se, nas mãos dos publicitários, o “Carnaval”, “a Festa do Peão”, o “Circo da Fórmula 1”, o “Big Brother”, a “Oktoberfest”, as “Olimpíadas”, a “Copa do Mundo”, a “Festa Junina”, o “Natal”, a “Páscoa”, o “Réveillon”, o “Dia das Mães”, “dos Pais”, “dos Namorados”, “das Crianças”, “da Consciência Negra”, “do Índio”, o “Mardi Gras”, etc.




A saturação, assim como a carestia extrema, podem predispor o individuo ao auto-extermínio. O suicídio é como uma arapuca armada pela própria pessoa. É uma idéia alimentada com regularidade, dia após dia, hora após hora. Uma vez aceita como “solução final” ou “estratégia definitiva”, é muito difícil elaborar qualquer argumento externo que modifique a convicção interior do individuo obcecado por esta triste idéia. O sociólogo Durkheim (Suicide, 1897) sugeriu diversas causas sociais para este fenômeno, e classificou-o em três tipos: A) o suicídio altruísta, que o individuo presta à seu grupo ou comunidade. Anciões que não querem se tornar um peso aos demais. Pessoas que detém segredos que comprometem a muitos de seus aliados e que devem “morrer” com ele. B) o suicídio egoísta diz respeito a uma inadaptação ou incapacidade de lidar com situações de pressão que incidem sobre a psique do individuo. Segundo Durkheim, as taxas de suicídio se elevaram muito após o advento da Revolução Industrial com seus desdobramentos e conseqüências. C) o suicídio anômico: são suicídios decorrentes de caos social, revoluções, desordem generalizada, guerra civil, depressões econômicas, catástrofes naturais, epidemias, etc.


Já alguns psicólogos como o americano Jack D. Douglas (The social meanings of suicide, 1967) e o francês Jean Baechler(Les suicides, 1975), creditam o ato do suicídio a motivações inerentemente pessoais, ou seja, à biografia do suicida. O suicídio seria sempre uma resposta do individuo a crises “internas”, já que as “externas” não determinam o auto-extermínio de todos que a suportam. Segundo estes autores, o suicida se fecha em uma armadilha psicológica estratégica, que para ele é como um consolo, a válvula de escape última, o retorno ao útero protetor da inconsciência. Quando as condições se tornarem para ele insuportáveis, eis sua forma de fuga.




Segundo o escritor francês Albert Camus: “não há mais do que um problema filosófico verdadeiramente sério: o do suicídio. Julgar se a vida vale ou não ser vivida é responder à questão primordial da filosofia”(Le mythe de Sisyphe, 1954). Já seu contemporâneo e ex-colega Jean Paul Sartre expressou-se assim diante do dilema: “Se estou mobilizado em uma guerra, esta guerra é minha guerra: ela é à minha imagem e eu a mereço. Mereço-a antes de tudo porque podia tê-la esquivado com o suicídio ou com a deserção: estas possibilidades extremas devem sempre estar presentes para nós quando temos de encara-las em uma dada situação”(L’être et néant, 1943).

Em geral, os filósofos de origem religiosa condenam o ato suicida por diversas razãos, dentre as quais: é contrario à vontade Divina, assim em Platão, "Fedro", cap. 62, e em Santo Agostinho, "Cidade de Deus", cap. I, p, 20; é contrário ao destino em Plotino, "Enéadas", cap, I, p, 9; é contrário à lei natural em São Thomás de Aquino, "Summa Theologiae", cap. II, 2, p, 64-65.

Outros filósofos de formação mais secular são mais simpáticos ao fenômeno. David Hume chega a dizer que, como nada escapa à vontade divina, o mesmo ocorre com o suicídio( Essays, of Suicide, 1741-2). Para Kant, trata-se da transgressão de um dever, pois como ele mesmo o diz: “o homem é obrigado à conservação da vida somente porque é pessoa”(Met. Der Sitten, II, parte I, artigo 6). Para Schopenhauer: “ o suicídio não é em absoluto a negação da vontade, mas um ato de forte afirmação da mesma vontade, pois o suicida quer a vida e só não esta contente com as condições que tem”( O Mundo como Vontade e Representação, I artigo 69, 1819). Para Fichte, era ao mesmo tempo um ato de covardia quanto de coragem. Ele argumentava: “ em relação ao homem virtuoso, o suicida é um covarde; em relação ao miserável que se submete à desonra e à escravidão para prolongar por alguns anos o sentido mesquinho da própria existência, é um herói”(Sittenlehren, 1789, p, 268). Walter Benjamim, filósofo judeu/alemão disse: "A personalidade destrutiva vive a sentir, não que a vida é digna de ser vivida, mas que o suicídio não vale o incômodo"(O caráter destrutivo, 1931).

Para Aristóteles o suicídio é injusto para com a comunidade à qual o suicida pertence( Ética à Nicômaco, V, 11, 1138
-9).



Certos filósofos consideraram lícito ou mesmo necessário o suicídio. Assim achavam os estóicos, entre eles Cícero. Disse ele: “ Quem possui em maior número as coisas segundo a natureza, tem o dever de permanecer em vida; quem , ao contrário possui ou crê-se destinado a possuir em maior número as coisas contrarias tem o dever de sair da vida. Disso resulta claramente que o sábio tem às vezes o dever de sair da vida apesar de ser feliz e o tolo de permanecer na vida apesar de ser infeliz”(De Finibus, III, 18-60).

Epicuro e Sêneca também não desaprovavam o ato. O primeiro dizia: “ É desventura viver na necessidade, mas viver na necessidade não é em absoluto necessário”. E o segundo: “Agradecemos à Deus que ninguém pode ser segurado na vida contra a própria vontade: é possível esmagar a própria necessidade”(Epistulae Morales ad Lucilium, cap. XII.64DC).

Alguns literatos também opinaram lúgubre e espirituosamente a respeito do suicídio. Por exemplo, George Borrow(1803-1881), novelista e viajante inglês disse certa vez: "Se eu tiver de cometer suicídio, devo sempre encontrar meios de fazê-lo o mais decorosamente quanto possível; a decência, tanto na vida quanto na morte, nunca deve ser negligenciada" . Arthur Miller, dramaturgo norte-americano, dotou seu personagem "Quentin", da peça "After the Fall", de 1964, da seguinte fala:" Um suicídio mata duas pessoas, Maggie. Isto é o que ele faz" . O poeta, novelista e tradutor italiano Cesare Pavese escreveu certa vez a um jornal, em 1950: " Por grandes períodos você sente , profundamente dentro de si, a tentação de cometer suicídio. Você se entrega a isto rompendo suas defesas. Você era criança. A ideia de suicídio era um protesto contra a vida; morrendo, você escaparia deste ardente desejo pela morte" . Uma interessante colocação também se encontra no discurso do estadista e advogado norte-americano Daniel Webster durante sua argumentação, em 1830, sobre o assassinato do capitão americano White:" Não há refugio da confissão exceto o suicídio, e o suicídio é a confissão".

Por último, mas não menos importante para a discussão, temos os dizeres de Zaratustra, por Nietzsche: “Eu louvo a minha morte, a morte livre, que vem porque quero. E quando quererei? Quem tem uma meta e um herdeiro, quer a morte na hora certa, e para a sua meta e seu herdeiro”(Assim falou Zarathustra, I, Da livre morte, 1883-5). Tem-se também do mesmo pensador a seguinte frase:"O pensamento do suicídio é um poderoso consolo: por meio dele consegue-se atravessar muitas noites ruins" (Máximas e Interlúdios, pg 4 ).
Em vista dos exemplos da complexidade do tema, nada tenho a acrescentar que contribua para a discussão no momento. Posso apenas dizer que o sofrimento evitado por uns no morrer, se transfere imediatamente, nesta ocasião, para outros que permanecem no viver.
Dúdis Tozinsky Cobain.




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