

Um ser humano pode estar feliz mesmo enquanto aguarda a eletrocussão, via cadeira elétrica, no corredor da morte. Já outro, infeliz, acumula coragem para suicidar-se em um big hotel de Hollywood.

O que parece predispor cada um destes estados de consciência é a presença ou ausência de “paz de espírito” obtida ou não enquanto se alimenta a esperança ou a desesperança dentro de si. Desesperar-se mesmo tendo uma enorme gama de recursos à disposição, e não entrar em desespero mesmo quando o último recurso ao governador do Estado foi negado, depende, portanto, de um equilíbrio ou desequilíbrio interno. Dois extremos que se chocam vindos de direções diferentes: ânsia de viver, desejo de morrer. Ter ainda algo mais para falar, e nada mais ter a dizer. Históricos individuais que se julgam, condenam e sentenciam. Dramas pessoais que, conduzidos por trilhas diferentes ou mesmo antagônicas, deságuam na mesma foz, a morte. Uma trilha segue o caminho da carestia e da fome, que leva ao latrocínio, prisão, condenação e execução; outra passa pela abundância, fastio e saturação, e leva à desilusão, à depressão e ao auto-extermínio. Um dos indivíduos foi privado de tudo pela sociedade, inclusive e finalmente da vida, mas ainda assim encontrou as respostas que buscava, ou soube fazer as perguntas certas no momento critico. O outro usufruiu e consumiu de tudo, inclusive a própria vida. A fartura o levou a lassidão de espírito, e esta não lhe permitiu encontrar uma estratégia melhor para lidar com seus problemas e frustrações que a auto-eliminação.

Necessidades materiais e necessidades imateriais. Um deles obteve muito das primeiras; o outro apenas o essencial da segunda, tardiamente. Tardia também foi a conversão do ladrão crucificado com o Cristo. Mas esta conversão lhe garantiu a “paz de espírito” necessária para enfrentar a morte que chegava. O terceiro crucificado morreu rebelado, em amargura e tormento. Padrões recorrentes.

Instigados ao consumo dos mais supérfluos bens por políticos demagogos (que prometem satisfazer estas demandas inventadas), e publicitários hipócritas (que visam apenas aumentar seus ganhos oferecendo ao consumidor os mais diversos ‘venenos’ e ‘bugigangas’), os indivíduos acreditam estarem em “desvantagem” ou em condições “injustas” por não poderem arcar com a aquisição destes produtos, que não são indispensáveis do ponto de vista das necessidades vitais. Uma vez de posse dos extravagantes fetiches sociais, o indivíduo transforma seu ‘uso’ e ‘posse’ em uma “segunda natureza”, em hábitos por vezes nocivos e dispendiosos, sem mais se dar conta de que os busca por curiosidade, vício, inveja e ciúmes.

Alimentação, vestuário, moradia, saúde, segurança e lazer são necessidades primárias. Mas a desnaturação desta última, o lazer transformado em entretenimento, tem feito dos indivíduos meros fantoches e marionetes nas mãos dos produtores de ilusões, fantasias e hábitos. As tradicionais danças folclóricas e festas populares que celebravam o solstício ou as colheitas, o casamento ou o nascimento, a vitória ou a morte, tornaram-se, nas mãos dos publicitários, o “Carnaval”, “a Festa do Peão”, o “Circo da Fórmula 1”, o “Big Brother”, a “Oktoberfest”, as “Olimpíadas”, a “Copa do Mundo”, a “Festa Junina”, o “Natal”, a “Páscoa”, o “Réveillon”, o “Dia das Mães”, “dos Pais”, “dos Namorados”, “das Crianças”, “da Consciência Negra”, “do Índio”, o “Mardi Gras”, etc.

A saturação, assim como a carestia extrema, podem predispor o individuo ao auto-extermínio. O suicídio é como uma arapuca armada pela própria pessoa. É uma idéia alimentada com regularidade, dia após dia, hora após hora. Uma vez aceita como “solução final” ou “estratégia definitiva”, é muito difícil elaborar qualquer argumento externo que modifique a convicção interior do individuo obcecado por esta triste idéia. O sociólogo Durkheim (Suicide, 1897) sugeriu diversas causas sociais para este fenômeno, e classificou-o em três tipos: A) o suicídio altruísta, que o individuo presta à seu grupo ou comunidade. Anciões que não querem se tornar um peso aos demais. Pessoas que detém segredos que comprometem a muitos de seus aliados e que devem “morrer” com ele. B) o suicídio egoísta diz respeito a uma inadaptação ou incapacidade de lidar com situações de pressão que incidem sobre a psique do individuo. Segundo Durkheim, as taxas de suicídio se elevaram muito após o advento da Revolução Industrial com seus desdobramentos e conseqüências. C) o suicídio anômico: são suicídios decorrentes de caos social, revoluções, desordem generalizada, guerra civil, depressões econômicas, catástrofes naturais, epidemias, etc.

Já alguns psicólogos como o americano Jack D. Douglas (The social meanings of suicide, 1967) e o francês Jean Baechler(Les suicides, 1975), creditam o ato do suicídio a motivações inerentemente pessoais, ou seja, à biografia do suicida. O suicídio seria sempre uma resposta do individuo a crises “internas”, já que as “externas” não determinam o auto-extermínio de todos que a suportam. Segundo estes autores, o suicida se fecha em uma armadilha psicológica estratégica, que para ele é como um consolo, a válvula de escape última, o retorno ao útero protetor da inconsciência. Quando as condições se tornarem para ele insuportáveis, eis sua forma de fuga.

Segundo o escritor francês Albert Camus: “não há mais do que um problema filosófico verdadeiramente sério: o do suicídio. Julgar se a vida vale ou não ser vivida é responder à questão primordial da filosofia”(Le mythe de Sisyphe, 1954). Já seu contemporâneo e ex-colega Jean Paul Sartre expressou-se assim diante do dilema: “Se estou mobilizado em uma guerra, esta guerra é minha guerra: ela é à minha imagem e eu a mereço. Mereço-a antes de tudo porque podia tê-la esquivado com o suicídio ou com a deserção: estas possibilidades extremas devem sempre estar presentes para nós quando temos de encara-las em uma dada situação”(L’être et néant, 1943).
Em geral, os filósofos de origem religiosa condenam o ato suicida por diversas razãos, dentre as quais: é contrario à vontade Divina, assim em Platão, "Fedro", cap. 62, e em Santo Agostinho, "Cidade de Deus", cap. I, p, 20; é contrário ao destino em Plotino, "Enéadas", cap, I, p, 9; é contrário à lei natural em São Thomás de Aquino, "Summa Theologiae", cap. II, 2, p, 64-65.
Outros filósofos de formação mais secular são mais simpáticos ao fenômeno. David Hume chega a dizer que, como nada escapa à vontade divina, o mesmo ocorre com o suicídio( Essays, of Suicide, 1741-2). Para Kant, trata-se da transgressão de um dever, pois como ele mesmo o diz: “o homem é obrigado à conservação da vida somente porque é pessoa”(Met. Der Sitten, II, parte I, artigo 6). Para Schopenhauer: “ o suicídio não é em absoluto a negação da vontade, mas um ato de forte afirmação da mesma vontade, pois o suicida quer a vida e só não esta contente com as condições que tem”( O Mundo como Vontade e Representação, I artigo 69, 1819). Para Fichte, era ao mesmo tempo um ato de covardia quanto de coragem. Ele argumentava: “ em relação ao homem virtuoso, o suicida é um covarde; em relação ao miserável que se submete à desonra e à escravidão para prolongar por alguns anos o sentido mesquinho da própria existência, é um herói”(Sittenlehren, 1789, p, 268). Walter Benjamim, filósofo judeu/alemão disse: "A personalidade destrutiva vive a sentir, não que a vida é digna de ser vivida, mas que o suicídio não vale o incômodo"(O caráter destrutivo, 1931).
Para Aristóteles o suicídio é injusto para com a comunidade à qual o suicida pertence( Ética à Nicômaco, V, 11, 1138-9).

Certos filósofos consideraram lícito ou mesmo necessário o suicídio. Assim achavam os estóicos, entre eles Cícero. Disse ele: “ Quem possui em maior número as coisas segundo a natureza, tem o dever de permanecer em vida; quem , ao contrário possui ou crê-se destinado a possuir em maior número as coisas contrarias tem o dever de sair da vida. Disso resulta claramente que o sábio tem às vezes o dever de sair da vida apesar de ser feliz e o tolo de permanecer na vida apesar de ser infeliz”(De Finibus, III, 18-60).
Epicuro e Sêneca também não desaprovavam o ato. O primeiro dizia: “ É desventura viver na necessidade, mas viver na necessidade não é em absoluto necessário”. E o segundo: “Agradecemos à Deus que ninguém pode ser segurado na vida contra a própria vontade: é possível esmagar a própria necessidade”(Epistulae Morales ad Lucilium, cap. XII.64DC).
Alguns literatos também opinaram lúgubre e espirituosamente a respeito do suicídio. Por exemplo, George Borrow(1803-1881), novelista e viajante inglês disse certa vez: "Se eu tiver de cometer suicídio, devo sempre encontrar meios de fazê-lo o mais decorosamente quanto possível; a decência, tanto na vida quanto na morte, nunca deve ser negligenciada" . Arthur Miller, dramaturgo norte-americano, dotou seu personagem "Quentin", da peça "After the Fall", de 1964, da seguinte fala:" Um suicídio mata duas pessoas, Maggie. Isto é o que ele faz" . O poeta, novelista e tradutor italiano Cesare Pavese escreveu certa vez a um jornal, em 1950: " Por grandes períodos você sente , profundamente dentro de si, a tentação de cometer suicídio. Você se entrega a isto rompendo suas defesas. Você era criança. A ideia de suicídio era um protesto contra a vida; morrendo, você escaparia deste ardente desejo pela morte" . Uma interessante colocação também se encontra no discurso do estadista e advogado norte-americano Daniel Webster durante sua argumentação, em 1830, sobre o assassinato do capitão americano White:" Não há refugio da confissão exceto o suicídio, e o suicídio é a confissão".
Por último, mas não menos importante para a discussão, temos os dizeres de Zaratustra, por Nietzsche: “Eu louvo a minha morte, a morte livre, que vem porque quero. E quando quererei? Quem tem uma meta e um herdeiro, quer a morte na hora certa, e para a sua meta e seu herdeiro”(Assim falou Zarathustra, I, Da livre morte, 1883-5). Tem-se também do mesmo pensador a seguinte frase:"O pensamento do suicídio é um poderoso consolo: por meio dele consegue-se atravessar muitas noites ruins" (Máximas e Interlúdios, pg 4 ).
Em vista dos exemplos da complexidade do tema, nada tenho a acrescentar que contribua para a discussão no momento. Posso apenas dizer que o sofrimento evitado por uns no morrer, se transfere imediatamente, nesta ocasião, para outros que permanecem no viver.
Dúdis Tozinsky Cobain.

Pensei que fosse citar "Os Sofrimentos do Jovem Werther".
ResponderExcluirKaramazov Filha e Sobrinha.
Goethe! Muito bem lembrado! Dúdis.
ResponderExcluirFoi um prazer conhecê-lo, sir. :)
ResponderExcluirB.
Obrigado!O prazer foi meu!
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