O indivíduo, desde a infância, é cercado e nutrido por diversos sistemas lingüísticos, de amplitude expandida, e por dialetos sociais¹, que revelam a origem, pertença ou experiência social do sujeito. O “jargão” individual não se opõe à língua natal do mesmo. É uma recombinação grupal, profissional ou pessoal de signos. Os ambientes sonoros freqüentados pelo individuo podem ser rastreados pelo sotaque, pelas gírias, pelo jargão e dialetos vocalizados por ele. A experiência vivida em ambientes sonoros diversos ‘ressurgem’ na linguagem cotidiana do individuo. As gírias e jargões de um internato, de um orfanato, da escola, do lar, do meio rural, das diversas unidades militares, dos grupos adolescentes, das gangs, das quadrilhas, dos escritórios especializados dos despachantes, dos advogados, dos corretores, dos agiotas, dos editores, dos escritores, dos pesquisadores, ou das múltiplas firmas, indústrias e departamentos comerciais, dos portos, dos prostíbulos, dos laboratórios, das academias, das favelas, dos subúrbios, das cadeias e presídios, dos campos de concentração, dos salões, dos fóruns, dos sets de filmagem, do teatro, dos conservatórios, dos seminários, ordens e monastérios, dos mosteiros, igrejas e templos, somente para exemplificar, ‘reaparecem ’ no linguajar das pessoas quando em ambientes diferentes.
Quanto maior o número de ambientes vivenciados pelo individuo, é provável que maior sejam seus recursos terminológicos e vocabulares. Se somado a esse repertório verbal o individuo for eloqüente, criativo, loquaz ou fluente; mais rico será seu discurso.
Entretanto, o homem não será capaz de “figurar” jargões adequados para representar fenômenos macro-cósmicos, pré-cósmicos e micro-cósmicos sem a ajuda da linguagem matemática e lógica. Caso haja uma matemática adequada a estas dimensões, ou caso a matemática ordinária dê conta de representar o que for conceitualizado acerca destas dimensões, é possível que venha “dela” as melhores explicações dos “por quê”, dos “como”, dos “onde”, dos "quando", dos "quanto" e dos “para que”, que estamos sempre a interrogar. Já o universo pessoal, “intra-cósmico”, é exteriorizado em forma de linguagem ou discurso razoavelmente compreensível pela comunidade ouvinte circundante.O homem só representa, figura e simboliza aquilo que vê, ouve, toca, sente ou imagina. Os mundos anteriores, exteriores e “posteriores” ao “nosso”, são inacessíveis em sua caracterização correta pelo homem comum. Imagina-se que existam, mas são impalpáveis pela linguagem.
Talvez a consciência, o raciocínio, a imaginação, os sonhos e o próprio “eu”, sejam apenas produtos da atividade cerebral. Enquanto há atividade cerebral, há vida consciente, ou inconsciente em alguns casos. Mas quando cessa a atividade neuronal, cessam suas complexas produções. Um cérebro falecido, como o demonstra os eletroencefalogramas confirmatórios de ‘morte cerebral’, não acusa atividade elétrica dos neurônios, e esta inatividade neural representa-se no estado de “óbito” do indivíduo. Cessam a produção cerebral de imagens internas (acredita-se), e de respostas a estímulos externos, e em seguida sobrevém o estado tão cercado de tabus, a “morte”. Mas a suposta falência de uma fábrica cerebral, e a paralisação aparente de sua produção, confirmariam a extinção total da individualidade? Ou apenas não somos capazes de dimensionar, medir, qualificar, adjetivar e “representar”, em nossa linguagem habitual, uma atividade ou comunicação² muito mais sutil do que estamos aptos, comumente, a lidar?
Notas: (¹) Ver: Dubois, J. et al. Dicionário de Linguística:São Paulo, Cultrix, 2004, p 184.
(²) Ver: Katz, C.S. et al. Dicionário de Comunicação: Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975.